São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 2006

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Irã já se prepara para sobreviver sob sanção econômica

Medidas de emergência contra possível punição da ONU, afirma diplomata, inclui troca de ativos na Europa por ouro

Confronto com o Ocidente atinge o turismo e enerva a economia do país, que cresceu 5,5% no último ano alimentada pelo petróleo

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ

Quando o iraniano fala em "mercado", não se refere a Wall Street, investidores estrangeiros ou multinacionais. Como o governo detém entre 70% e 80% da economia (não há precisão, porque os números são censurados), e 90% do valor das exportações vêm da venda de petróleo bruto, não há mercado no sentido ocidental. Mas há o mercado, literalmente.
É o Bazar, no centro velho de Teerã, labirinto de ruelas e corredores que vendem de tudo -"bazar", que o português depois adotou, é palavra persa para mercado. Dominado pelos mesmos clãs, entra governo, sai governo, os "bazari", ou mercadores, estão lá. Têm sua própria mesquita, seu próprio partido e são a fatia não-religiosa mais influente da sociedade.
É aqui, ao Bazar, que a mãe vem comprar o "jahaz", o enxoval, quando o noivo vai pedir a mão da filha e oferecer o "mehrigeh", o dote. É no Bazar que, em dificuldades, o pai vende o tapete da família, que os persas usam como investimento, dinheiro embaixo do colchão, que valoriza com o tempo.
Pois o Bazar está nervoso.
"No último ano, eu vendi metade do que consegui nos dois anos anteriores", contabiliza Nasser Hazim, 12 anos no ramo, dono da auto-explicativa Casa dos Tapetes Persas e uma das personalidades do Rasteh Farsh Forosha (corredor dos vendedores de tapete). Fica na parte mais nobre do Bazar, os fundos, onde seus colegas de profissão se reúnem -Hazim já atendeu de Rodrigo de Rato, do FMI, a Christiane Amanpour, da CNN, e tem os respectivos cartões de visita como prova.
"Com essa conversa toda de programa nuclear, o presidente Ahmadinejad está afugentando os turistas", acredita ele. "Outros países da região com muito menos atrativos e tradição do que o Irã, como a Turquia, estão atraindo mais gente por conta disso. O Khatami (presidente anterior, reformista) sabia bem disso."
Pois, de novo, o linha-dura Mahmoud Ahmadinejad parece estar atento ao zunzunzum das ruas. Segundo um estrangeiro em contato diário com autoridades iranianas, que pede para não ser identificado, o país já tem equipes nos principais setores da economia com planos de emergência prontos caso vinguem as sanções defendidas por Estados Unidos e União Européia no Conselho de Segurança da ONU.
"Os iranianos já estão liquidando parte de seus ativos na Europa e comprando tudo em ouro", diz o funcionário -seja qual for a sanção, se vier, deve envolver pelo menos dois pontos: a proibição de viagens de autoridades iranianas ao exterior e o congelamento de depósitos do país na comunidade financeira internacional.
A possibilidade cada vez menos remota assusta o iraniano, mas a economia do país é robusta. Como segundo maior produtor de petróleo do mundo, o Irã viu seu PIB crescer 5,5% no último ano local (de março a março), batendo nos US$ 600 bilhões. Mas a inflação, apesar de ter caído, não baixa dos 12%. O país ainda importa 20 milhões de litros de gasolina por dia. O desemprego é de entre 15% e 20% dos 24 milhões de trabalhadores, e essa massa não está feliz, como mostrou manifestação recente contra o ministro do Trabalho.
Ahmadinejad tenta agradar os "bazari" -criou a primeira bolsa de valores eletrônica, promete lançar neste ano a bolsa de valores de petroeuros (em vez de petrodólares), disse que transações bancárias por Internet são aprovadas pelo islã- e os trabalhadores -aumentou o salário mínimo para US$ 180. O problema é a sharia, a implacável lei islâmica.
Ao assumir o governo, no ano passado, Ahmadinejad afirmou que quem fosse pego "roubando uma moeda que seja" seria julgado segundo a sharia, que prevê de chibatadas a amputação de uma ou as duas mãos. "Isso paralisou as transações da iniciativa privada com o governo, historicamente corruptas", disse à Folha um empresário do setor de serviços que pede para não ser identificado por medo de represália. "Sob Khatami, havia concorrências de estradas, de construção de rodovias. Agora está tudo parado."


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