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Irã já se prepara para sobreviver sob sanção econômica
Medidas de emergência contra possível punição da ONU,
afirma diplomata, inclui troca de ativos na Europa por ouro
Confronto com o Ocidente
atinge o turismo e enerva
a economia do país, que
cresceu 5,5% no último ano
alimentada pelo petróleo
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ
Quando o iraniano fala em
"mercado", não se refere a Wall
Street, investidores estrangeiros ou multinacionais. Como o
governo detém entre 70% e
80% da economia (não há precisão, porque os números são
censurados), e 90% do valor
das exportações vêm da venda
de petróleo bruto, não há mercado no sentido ocidental. Mas
há o mercado, literalmente.
É o Bazar, no centro velho de
Teerã, labirinto de ruelas e corredores que vendem de tudo
-"bazar", que o português depois adotou, é palavra persa para mercado. Dominado pelos
mesmos clãs, entra governo, sai
governo, os "bazari", ou mercadores, estão lá. Têm sua própria
mesquita, seu próprio partido e
são a fatia não-religiosa mais
influente da sociedade.
É aqui, ao Bazar, que a mãe
vem comprar o "jahaz", o enxoval, quando o noivo vai pedir a
mão da filha e oferecer o "mehrigeh", o dote. É no Bazar que,
em dificuldades, o pai vende o
tapete da família, que os persas
usam como investimento, dinheiro embaixo do colchão,
que valoriza com o tempo.
Pois o Bazar está nervoso.
"No último ano, eu vendi metade do que consegui nos dois
anos anteriores", contabiliza
Nasser Hazim, 12 anos no ramo, dono da auto-explicativa
Casa dos Tapetes Persas e uma
das personalidades do Rasteh
Farsh Forosha (corredor dos
vendedores de tapete). Fica na
parte mais nobre do Bazar, os
fundos, onde seus colegas de
profissão se reúnem -Hazim já
atendeu de Rodrigo de Rato, do
FMI, a Christiane Amanpour,
da CNN, e tem os respectivos
cartões de visita como prova.
"Com essa conversa toda de
programa nuclear, o presidente
Ahmadinejad está afugentando
os turistas", acredita ele. "Outros países da região com muito
menos atrativos e tradição do
que o Irã, como a Turquia, estão atraindo mais gente por
conta disso. O Khatami (presidente anterior, reformista) sabia bem disso."
Pois, de novo, o linha-dura
Mahmoud Ahmadinejad parece estar atento ao zunzunzum
das ruas. Segundo um estrangeiro em contato diário com
autoridades iranianas, que pede para não ser identificado, o
país já tem equipes nos principais setores da economia com
planos de emergência prontos
caso vinguem as sanções defendidas por Estados Unidos e
União Européia no Conselho
de Segurança da ONU.
"Os iranianos já estão liquidando parte de seus ativos na
Europa e comprando tudo em
ouro", diz o funcionário -seja
qual for a sanção, se vier, deve
envolver pelo menos dois pontos: a proibição de viagens de
autoridades iranianas ao exterior e o congelamento de depósitos do país na comunidade financeira internacional.
A possibilidade cada vez menos remota assusta o iraniano,
mas a economia do país é robusta. Como segundo maior
produtor de petróleo do mundo, o Irã viu seu PIB crescer
5,5% no último ano local (de
março a março), batendo nos
US$ 600 bilhões. Mas a inflação, apesar de ter caído, não
baixa dos 12%. O país ainda importa 20 milhões de litros de
gasolina por dia. O desemprego
é de entre 15% e 20% dos 24 milhões de trabalhadores, e essa
massa não está feliz, como
mostrou manifestação recente
contra o ministro do Trabalho.
Ahmadinejad tenta agradar
os "bazari" -criou a primeira
bolsa de valores eletrônica,
promete lançar neste ano a bolsa de valores de petroeuros (em
vez de petrodólares), disse que
transações bancárias por Internet são aprovadas pelo islã- e
os trabalhadores -aumentou o
salário mínimo para US$ 180. O
problema é a sharia, a implacável lei islâmica.
Ao assumir o governo, no ano
passado, Ahmadinejad afirmou
que quem fosse pego "roubando uma moeda que seja" seria
julgado segundo a sharia, que
prevê de chibatadas a amputação de uma ou as duas mãos.
"Isso paralisou as transações da
iniciativa privada com o governo, historicamente corruptas",
disse à Folha um empresário
do setor de serviços que pede
para não ser identificado por
medo de represália. "Sob Khatami, havia concorrências de
estradas, de construção de rodovias. Agora está tudo parado."
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