|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Irã e o império decadente
HÁ ALGUM TEMPO, o establishment mundial
recebeu com um misto
de irritação e descrença a notícia
de que o presidente Lula se dispunha a intermediar a questão do Irã.
Na semana passada a diplomacia
brasileira alcançou um êxito histórico
em Teerã ao lograr que o governo
nacionalista islâmico do Irã
aceitasse o acordo sobre a troca de
urânio pouco enriquecido por urânio
enriquecido a 20% nos mesmos
termos que as grandes potências e a
AIEA(agência atômica da ONU) haviam proposto há seis meses.
Não obstante, alegando que o
acordo não assegura que o Irã não
utilizará o restante do urânio em seu
poder para se tornar potência nuclear,
os EUA conseguiram convencer
as demais grandes potências a
levar ao Conselho de Segurança da
ONU a proposta de novas sanções
ao Irã. E adicionaram mais uma "razão":
assim, evitam que seu aliado
Israel bombardeie o Irã. Significa isso que o acordo de Teerã fracassou?
As razões para ignorar o acordo
bem pensado e realizado não se sustentam.
A recusa dos EUA de continuar
a negociação a partir dele deixou
mais uma vez claro que seu objetivo principal não
é evitar que o Irã
tenha a bomba, mas é desestabilizar seu governo.
Desde a Revolução Islâmica de
1979, os EUA vêm procurando derrubar
o governo nacionalista iraniano.
Primeiro, porque o regime seria
fundamentalista; depois, porque
ameaçaria Israel.
Nesse sentido, suas ações não se
limitaram ao "soft power" e à diplomacia,
mas foram militares. Em
1981, financiaram uma guerra mortífera
do Iraque de Saddam Hussein
contra o Irã, que durou quase dez
anos e terminou com a derrota da
coligação americano-iraquiana.
Agora, depois de haver invadido e
submetido seu antigo aliado, voltam-
se de novo contra o regime dos
aiatolás e de seu boquirroto e autoritário
presidente, Mahmoud Ahmadinejad.
Mostram, assim, coerência
em sua política imperial de controle
político-militar do Oriente Médio.
O fato de a China ter concordado
em assinar o pedido de mais sanções
significaria que não usará seu
poder de veto no Conselho de Segurança?
É possível, mas não é provável.
A China assinou o pedido para,
neste momento, não aumentar seu
contencioso com os EUA, que já é
grande.
Por isso, é bem possível que o
acordo de Teerã e as reações que está
provocando levem os chineses,
que não têm interesse em que os
EUA e a Europa aumentem ainda
mais seu poder no Oriente Médio,
afinal a recusar seu voto às sanções.
Os EUA são um império em decadência
que tenta ser imperial em
uma fase da história mundial na
qual os impérios não fazem mais
sentido.
Os dois últimos grandes impérios
foram o britânico e o soviético. Fracassaram
por diferentes razões,
mas principalmente porque hoje
mesmo países mais atrasados são
membros plenos da ONU e não aceitam a dominação imperial.
Não obstante, os EUA insistem
em terem bases militares espalhadas
em todo o mundo para "legitimar"
a imposição de sua vontade.
Sabemos, porém, que não é com armas,
mas com bons argumentos e
com concessões mútuas que haverá
paz entre as nações.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 75, professor
emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da
Fazenda (governo Sarney), da Administração e
Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da
Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), passa a
escrever quinzenalmente neste espaço.
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Acidente aéreo mata 158 na Índia, e 8 sobrevivem Índice
|