São Paulo, domingo, 23 de julho de 2006

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GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

Entre americanos, "guerra de palavras" é ganha por Israel

Especialistas concordam que imparcialidade é afetada por fatores como a parceria estratégica e o lobby nas emissoras

TVs dão mais destaque às mortes de israelenses; termos escolhidos para a cobertura do confronto revelam escolha editorial

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Uma norte-americana dá entrevista ao âncora Tony Harris, da CNN. Ela é uma das milhares de pessoas que tentam escapar de uma cidade do sul do Líbano. Diz estar chocada com a incapacidade de Washington de parar o que ela chama de matança brutal de civis por Israel. "Essa não é a visão aqui", interrompe rapidamente o âncora, para cortar a entrevista.
Um dos correspondentes da NBC em Israel pergunta ao ex-primeiro-ministro Ehud Barak: "Por que, cada vez que Israel está disposto a ceder mais aos palestinos, mais sofre ataques?". Pelo menos na grande imprensa televisiva dos EUA, os lados já estão tomados. "Quando se trata de Israel, não há cobertura imparcial possível aqui", decreta Steve Rendall, da organização liberal Fairness & Accuracy in Reporting (equilíbrio e exatidão no jornalismo, "Fair" na sigla em inglês, que também quer dizer "justo").
É que o país é parceiro estratégico de longa data dos EUA numa região problemática, e o lobby de Israel é muito poderoso na indústria de informação norte-americana, acredita o analista-sênior, "o que torna a imparcialidade virtualmente impossível". "Não vai aqui um juízo de valor", ameniza. "Lobby é lobby, mesmo o Brasil deve ter o seu em Washington."

Escolha de palavras
Mesma impressão tem Scott M. Libin, especialista em liderança e gerenciamento do prestigioso Instituto Poynter, especializado em estudos de jornalismo e mídia. "O jornalismo impresso é mais equilibrado no noticiário -um pouco menos, mas sem grandes distorções, nos editoriais." Ele aborda um aspecto curioso na cobertura: a "guerra de palavras".
O que ocorre hoje no Oriente Médio é "guerra" ou "conflito"? O Hizbollah é "terrorista" ou "extremista"? A região estava "À Beira da Guerra" (primeiro título da CNN para a cobertura, depois mudado para "Oriente Médio em Alerta", que lembra o "Tensão no Oriente Médio" da rival Fox News)? "Israel mira apenas alvos do Hizbollah", como declarou a MSNBC? "As emissoras fazem suas escolhas editoriais na escolha de palavras", conclui Libin.
O problema não é de hoje. Já em 2002, o Fair escrevia: "Na mídia dos EUA, palestinos "atacam" e Israel "responde'". Segundo o estudo, era desequilibrado o tratamento das três maiores emissoras abertas, ABC, CBS e NBC, às forças em conflito na segunda intifada palestina. Quatro anos depois, o acadêmico americano de origem libanesa Fawaz Gerges defende o mesmo, com números:
"Os ataques de Israel no Líbano deixaram mais de 360 mortos, mil feridos e meio milhão de desabrigados; os ataques do Hizbollah no norte de Israel mataram mais de 30 israelenses. Mas a imprensa americana já escolheu seu lado e ignora a reação desproporcional de Israel à ação agressiva do Hizbollah", diz o professor de estudos internacionais da faculdade Sarah Lawrence, autor de "Journey of the Jihadists".
Talvez o equilíbrio esteja na fala do repórter britânico Robert Fisk, correspondente-chefe para o Oriente Médio do jornal "The Independent", que vive no Líbano há três décadas. "Há uma quantidade incrível de propaganda [de ambos os lados]", resumiu ao programa "Democracy Now!".


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