São Paulo, terça-feira, 23 de agosto de 2011

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ANÁLISE

Sem tropas em terra, poder aéreo tem limites

Apoio da Otan a rebeldes na Líbia demonstra que é preciso haver boa inteligência para identificar alvos militares

RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO

Antes do repentino avanço dos rebeldes na Líbia eram comuns as análises comentarem os "limites" do poder aéreo; agora é provável que surjam ensaios louvando mais um "triunfo" dessa forma tão ocidental de guerra.
Mas, curiosamente, os dois pontos de vista têm validade e não são contraditórios. Coincidentemente, a intervenção aérea da Otan na Líbia acontece quase exatamente um século após o primeiro emprego militar exatamente na mesma região.
Em guerra com os turcos pela posse da Líbia, os italianos foram os primeiros a usar militarmente a então nova invenção, o avião. Em 1º de novembro de 1911, o piloto Giulio Gavotti lançou quatro bombas de 1,5kg sobre posições turcas em Ain Zara, a leste de Trípoli. A ideia de que a aviação proveria uma alternativa barata em guerras coloniais ou de contrainsurgência foi adotada pela primeira força aérea independente, a britânica RAF, que usou aviões para "policiar" o Iraque entre as duas guerras mundiais.
O impasse de meses na Líbia poderia ter sido resolvido rapidamente com uma intervenção de tropas terrestres. Mas a Otan não teria como fazer isso politicamente. Além das inevitáveis baixas, exalaria um claro cheiro de intervenção "imperial".
Não foi a primeira vez que uma intervenção "barata" funciona. A aviação foi a chave do sucesso na Bósnia em 1995, em Kosovo em 1999, e no Afeganistão em 2001. Mas o fundamental era que havia tropas terrestres a quem apoiar, como os bósnios, os rebeldes de Kosovo e a Aliança do Norte afegã.
Sem tropas em terra o poder aéreo tem limites; a aviação sozinha não vence um conflito. Depois de destruída a aviação e as armas pesadas (blindados e artilharia) de Gaddafi, não havia mais alvos atraentes para a Otan.
As tropas leais ao ditador passaram a usar as mesmas táticas dos rebeldes -instalando metralhadoras em picapes, por exemplo. E sem boa inteligência, fica difícil acertar alvos rápidos, móveis e escondidos em cidades.
Isso ficou claro pelo prolongado impasse de meses na Líbia. Mas era um impasse que apenas custava dinheiro, não vidas, à Otan. Pilotos de caças supersônicos disparando munições inteligentes a vários quilômetros de distância estão imunes ao modesto arsenal de Gaddafi.
Depois do 11 de Setembro, os EUA embarcaram em aventuras militares caras com objetivos pouco claros no Afeganistão e Iraque e na "construção de nação"; o apoio político a esse tipo de intervenção se esfumaçou.
O caso líbio traz de volta os debates dos anos 90 sobre o que fazer em lugares como Balcãs, Ruanda ou Somália: intervir ou não em crises humanitárias? Com que limites? A Síria pode ser o novo teste.


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