São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 2005

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EUROPA

Socialista português, presidenciável aos 81, se diz "pronto para lutar no limite" de suas possibilidades

Para Mário Soares, esquerda européia avança

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O veterano socialista português Mário Soares, 81, está em campanha por um terceiro mandato como presidente de seu país. As eleições serão em janeiro. Esteve ontem em São Paulo para contatos com a comunidade portuguesa.
Desde 1976, foi por duas vezes primeiro-ministro, por duas outras presidente da República e deputado no Parlamento Europeu.
Disse à Folha que o apelo à ordem, como forma de combate ao terrorismo islâmico, poderia aparentemente beneficiar os conservadores em detrimento das esquerdas. Mas, a seu ver, a ordem inexiste no Iraque, e os bons efeitos virão com valores como a solidariedade contra os atentados terroristas ou ambientais.
Anunciou sua candidatura presidencial em 30 de agosto. Terá como principal adversário o economista liberal e ex-primeiro-ministro Aníbal Cavaco e Silva.
Eis trechos de sua entrevista.

 

Folha - Para muitos, o PS não criou novas lideranças, e foi por isso que o sr. se lançou candidato.
Mário Soares -
Não apareceram até este momento pessoas em condições de ganhar a eleição de janeiro. [Outro socialista, Manuel Alegre, havia se apresentado, mas depois retirou sua candidatura].

Folha - Como relacionar sua candidatura com o que chama de baixa auto-estima dos portugueses?
Soares -
Há hoje em Portugal o risco de que, em vez de se cultivarem os valores da democracia, prevaleça a tendência de manter o olho nas finanças, no FMI. Há um desencorajamento da sociedade.

Folha - Os socialistas e social-democratas europeus estão numa curva descendente?
Soares -
Neste momento, com a falência do neoliberalismo, as esquerdas européias estão a avançar, como se viu nas últimas eleições na Alemanha e na Noruega.

Folha - Mas a "falência do neoliberalismo" não é consensual.
Soares -
Os neoliberais ainda não a aceitaram, mas há a criação de mais miséria e a concentração das riquezas nas mãos de um número menor de pessoas. As pessoas reagem contra essa injustiça.

Folha - Foi a seu ver por causa da tese do Estado mínimo que o governo americano lidou mal com o furacão Katrina?
Soares -
É um exemplo de como o neoliberalismo gera tragédias.

Folha - O Iraque foi um divisor de águas da diplomacia européia?
Soares -
Tem sido um fator sério de divisões.

Folha - O terrorismo islâmico bastante ativo não prejudicaria as esquerdas, já que os conservadores sempre terão razão ao apelar em favor da ordem?
Soares -
Essas forças conservadoras podem apelar em favor da ordem, mas isso não significa que a ordem acabará prevalecendo, como se vê no Iraque. Ou o mundo evolui amparado por valores éticos, de solidariedade entre os seres humanos contra os atentados terroristas ou ambientais, ou então ocorrerão grandes convulsões. Aqueles que têm regalias não gostam de as perder.

Folha - O sr. manteve contato com o presidente Lula?
Soares -
Não, não mantive.

Folha - O sr. criticou há pouco a ênfase nas finanças. Seria esse o quadro do atual governo no Brasil?
Soares -
O Brasil está numa posição radical de criar expansão [crescimento econômico] para conservar as medidas sociais que foram prometidas. E eu espero que isso aconteça, se depender da vontade do presidente Lula. Eu também tenho dito que o Brasil e o presidente Lula não mereciam isso que está a passar, essa doentia especulação acerca dos problemas da corrupção. É preciso fazer justiça, mas só depois de a justiça feita é que se pode posicionar.

Folha - O sr. acredita que virá a ser eleito novamente presidente? E de modo tranqüilo ou difícil?
Soares -
Acredito na vitória. Espero que seja tranqüila. Estou pronto para lutar no limite de minhas possibilidades.


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