São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2008

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Oposição atrasa acordo final na Bolívia

Governadores rejeitam pela segunda vez convocação imediata de referendos sobre nova Carta, precondição de Morales

Bases autonomistas radicais pressionam os dirigentes oposicionistas; quinta-feira é novo prazo para conclusão de negociação com governo

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ

O presidente da Bolívia, Evo Morales, viajou ontem a Nova York para participar da Assembléia Geral da ONU deixando a rodada de diálogo com os governadores oposicionistas num momento de especial fragilidade, após a segunda recusa da oposição a aceitar um prazo para a convocação dos referendos que faltam para promulgar o novo texto constitucional.
As divergências sobre a nova Carta, aprovada pelos constituintes governistas em 2007 e ponto central da crise boliviana, colocaram, como se esperava, La Paz e os governadores de oposição em lados opostos.
A negociação não foi encerrada, mas tem agora um prazo estreito: a volta de Morales ao país, na quinta-feira.
Os governadores voltaram ontem a seus departamentos. Embora, oficialmente, tenham dito que só aceitarão a Carta se ela contiver "autonomia plena" para as regiões, seus aliados não estão de acordo.
"O texto que o governo quer é ilegal e os problemas vão muito além das autonomias. Queremos uma revisão completa, uma nova Constituinte", disse à Folha o deputado cruzenho Pablo Klinsky (Podemos, direita), presidente da "brigada parlamentar" do departamento que leva adiante, à revelia de La Paz, a implementação da autonomia administrativa.
Klinsky foi além, desautorizando o governador de Santa Cruz, Rubén Costas, a falar pela região sobre a Carta. "Costas está conosco, mas não poderia, se quisesse, assinar nada. Não é da competência dele falar de uma Constituição que já rejeitamos em cabildos [assembléias populares]."
Engrossou o coro o empresário Branko Marinkovic, presidente do poderoso Comitê Cívico que reúne a elite econômica de Santa Cruz: "O que [Morales] propõe é inaceitável".

Cerco a Santa Cruz
Ontem, o governo repetiu que o compromisso dos governadores oposicionistas dos departamentos de Santa Cruz, Beni, Tarija e Chuquisaca com o texto constitucional é a condição exigida por movimentos sociais -camponeses, cocaleiros, indígenas, mineiros, todos aliados ao governo- para desbloquearem as estradas que levam a Santa Cruz.
Vários integrantes do governo -do ministro da Justiça ao vice-presidente, Álvaro García Linera- repetiram que não têm controle sobre a mobilização e descartaram reprimir a passeata de estimadas 20 mil pessoas até o centro cruzenho.
Até a rádio Erbol, próxima do governo, publicou em seu site o temor da população de Santa Cruz em relação à marcha. Muitos dos manifestantes levam escopetas e velhos rifles. Um grupo de cruzenhos tentaria conversar com os ativistas para desarmá-los. "Somos pacíficos, mas temos direito à legítima defesa, com armas iguais às deles", disse Klinsky.
Os líderes dos movimentos sociais pró-Morales aceitam mexer no tema das autonomias, mas, como o governo, não abrem mão das autonomias indígenas -que diminuirão o poder dos governadores- e nem cogitam mexer no limite de área para propriedades rurais.
García Linera cobrou da oposição "um banho de realidade" para que reconheça que, como minoria política, não tem poder para "vetar" o novo texto constitucional. É uma referência ao fato de Morales ter sido confirmado no cargo, em agosto, por 67,4% dos eleitores.
Antes de viajar, o presidente pediu a concordância da oposição à Carta até quinta-feira. Ele falou ao lado dos representantes da OEA (Organização dos Estados Americanos) e da Unasul (União das Nações Sul-Americanas). Os chamados "facilitadores" do diálogo lamentaram que as partes ainda não tenham chegado a um acordo, sempre em tom de forte respaldo ao governo boliviano.
A Unasul anunciou que fará uma reunião amanhã na ONU, em Nova York, para discutir a situação da Bolívia.


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