São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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MÍDIA

Crítico do trabalho da repórter Judith Miller, Daniel Okrent diz que ela "é um problema que o jornal terá de resolver"

"Times" é arrogante, diz ex-ombudsman

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os vários problemas pelos quais o mais influente jornal do mundo vem passando têm uma só raiz: arrogância. A opinião é do primeiro ombudsman a ocupar o cargo no "New York Times", lá chamado de "editor público", função criada na esteira dos escândalos que começaram a chacoalhar o diário em 2003.
Daniel Okrent, 57, não era funcionário do "Times" quando assumiu a função, com um mandato pré-combinado de 18 meses, do qual se despediu em maio último.
Autor de vários livros, um dos quais lhe valeu uma indicação ao importante prêmio Pulitzer, fez sua carreira jornalística mais em revistas como a "Time" e a extinta "Life". Sua última obra foi "Great Fortune: The Epic of Rockefeller Center" ("a grande fortuna: o épico do Rockefeller Center"), publicado pela editora Viking Penguin, em 2003.
Ele conversou com a Folha sobre a repórter Judith Miller, que passou de vilã a mártir e a vilã de novo em menos de um ano (leia texto nesta página).
Falou por telefone de Manhattan, onde faz pesquisa para um livro sobre a Lei Seca, a sair em 2008, prepara a coletânea de seus artigos como ombudsman e treina palestras que dá pelo país cujo tema é: "Como sobrevivi às entranhas do "Times'".
 

Folha - A repórter Judith Miller foi assunto principal de três colunas suas durante seu mandato como ombudsman. O sr. já tinha a sensação de que ela poderia vir a ser um problema para o jornal?
Daniel Okrent -
Ela já era um problema! Antes mesmo de eu assumir. Aliás, continuo achando que a repórter é um problema que o jornal terá de resolver...

Folha - Em um desses artigos, chamados "Armas de Decepção em Massa", o sr. foi extremamente rigoroso com ela. Que resposta ou reação teve da repórter então?
Okrent -
Ela foi cordial comigo, apesar de tudo. Não houve sinal de hostilidade. Eu a entrevistei por duas horas, então qualquer admissão de culpa estaria transcrita no meu texto. Ou seja, não houve mea culpa, não.

Folha - Ela mentia, o sr. acha?
Okrent -
Creio que ela tenha sido sincera e franca comigo, não achei que tentou me enganar em nenhum momento. O que penso hoje é que ela tentava se enganar a si mesma.

Folha - Em sua última coluna, o sr. escreveu que a perspectiva de Judith Miller ir para a cadeia era "nauseante". O sr. ainda pensa da mesma maneira, hoje em dia?
Okrent -
Sim. Isso não quer dizer que eu aprove o jeito de ela ser como repórter. Mas a noção de jornalistas indo para a cadeia é nauseante para mim, qualquer um.

Folha - O atual ombudsman, Byron Calame, ex-"Wall Street Journal", vem ignorando a polêmica em relação a Judith Miller desde que ela saiu da cadeia. Se estivesse ainda em seu cargo, faria o mesmo? Aliás, o sr. sente falta de lá?
Okrent -
Começando pelo fim, não. Estou satisfeito (risos). Estava combinado desde o começo que seriam apenas dezoito meses, que, passado esse tempo, eu continuaria com minha vida. Quanto à primeira parte da pergunta, sim, é um assunto muito interessante. Mas outros assuntos me interessam além do "New York Times"...

Folha - Qual sua opinião pessoal sobre Judith Miller?
Okrent -
Prefiro não comentar nada, sofreria muita pressão.

Folha - Em sua visão, qual é o principal problema do "New York Times" de hoje e de então?
Okrent -
É difícil resumir numa frase, havia então uma gama de problemas com o jornal naqueles dias. Alguns deles surgiram por razões as mais variadas. Mas diria que o principal problema do "Times" é a arrogância, aquela crença de que o jornal está acima de qualquer crítica. E não reagir às críticas, internas ou externas.

Folha - E esses problemas diminuíram desde a sua saída?
Okrent -
(Risos) Bem, acho que a própria criação do cargo de ombudsman ajudou muito.

Folha - Há rumores de que os acionistas da empresa estão pedindo a cabeça de Arthur Sulzberger Jr., CEO da The New York Times Company, por conta dos seguidos problemas na Redação, agravados pela diminuição na venda e na publicidade do jornal e na queda dos lucros da empresa. Isso é plausível?
Okrent -
Bem, primeiro temos de nos lembrar que os únicos acionistas que têm poder de mando na sociedade são os membros da família Sulzberger, cerca de 30 parentes. Eles controlam a votação dos acionistas. E, se você não falou com alguém que esteja na sala na hora da discussão desse grupo, não dá para confiar muito nos rumores. Mas talvez eles tenham pedido a cabeça mesmo, talvez eles estejam realmente descontentes.
Mas o importante é lembrar que, mesmo acontecendo em uma empresa de capital aberto, as decisões dentro do "New York Times" são familiares, não de acionistas.

Folha - O sr. tem dado palestras sobre seu período no "Times" pelo país. Qual a pergunta mais recorrente dos espectadores?
Okrent -
"Conte-me tudo sobre a Judith Miller".

Folha - E qual a sua resposta?
Okrent -
(Risos) É uma resposta longa e complicada... Eu prefiro não dizer.


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