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ARTIGO
Argentina enterra ciclo histórico
NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BUENOS
AIRES
Voto em Cristina não porque
goste, mas porque não há outro.
Esse tipo de comentário, colhido na rua, em Buenos Aires, dá
a medida do vácuo político na
Argentina de hoje. Graus a mais
de degradação num país com
antecedentes de primeira grandeza. O voto é secreto na Argentina desde 1912. Numa espécie de "revolução burguesa",
caso único na América Latina
dos anos dez do século passado,
eleitores urbanos tiraram a oligarquia do poder por meio das
urnas. Hipólito Yrigoyen ganhou duas vezes a Presidência
como herói de uma classe média que se tornara protagonista.
Com uma economia entre as
maiores do mundo e mobilidade social, a Argentina parecia
um pedaço da Europa. Georges
Clemanceau mostrou-se admirado com o que viu em Buenos
Aires e deixou isso registrado
em livro. O crash de 1929 foi
mortal, a começar pelo golpe
contra Yrigoyen, primeiro ato
do que passaria à história como
a "década infame", a dos anos
30, das intervenções militares,
até que os "descamisados" se
jogassem nos braços do populismo peronista. A classe média
foi perdendo peso para os párias da industrialização.
Mas se esgotaram os recursos acumulados com as vendas
de produtos agrícolas na Segunda Guerra, a economia enfraqueceu e o peronismo ficou
sem caixa. A reversão foi brutal,
em meio a disputas dentro dos
quartéis. Com o golpe de 1976,
além de milhares de assassinatos, pela primeira vez foi montado um projeto antiperonista
"coerente". Assumiu o comando da Economia Martínez de
Hoz, de família oligarca, com
raízes profundas no campo
conservador. Segundo o Centro
de Pesquisas Sociais, seu projeto produziu "fraturas na evolução da sociedade argentina".
Ou seja, a pobreza se espraiou.
A outrora pujante classe média
argentina tornou-se estatística
dos "novos pobres".
Isto e uma dívida externa astronômica puseram contra a
parede a redemocratização, até
que a Argentina faliu e um presidente foi enxotado da Casa
Rosada com o povo nas ruas e
repressão sangrenta. Antes,
Carlos Menem botou o peronismo nos trilhos do neoliberalismo, dando seqüência à desmontagem que teve sua etapa mafiosa com Isabelita e o "brujo" López Rega. Na era Kirchner, o peronismo é uma colcha
de retalhos sem condutores
que possam expressar-se em
nome de um movimento nacional. A velha União Cívica Radical, com raízes no século 19, legenda de Yrigoyen e votos de
uma classe média que fez história, desintegrou-se depois de
longa sobrevivência como contraponto do peronismo.
Um dos seus é vice de Cristina, o que sobrou apóia disfarçadamente candidato de outra legenda. Kirchner quer liderar a criação de um movimento nacional "plural", inspirado na
Concertação chilena. Espécie
de reconstrução política da Argentina, sob o comando do casal, é claro. Mas o Chile tem
partidos políticos fortes, estruturados, e a Argentina não. Por
isso Cristina fala em pacto social e não em pacto politico. Os
primeiros tijolos seriam colocados conjuntamente por empresários e trabalhadores.
Quanto à existência e funcionamento de uma oposição de fato,
trata-se de área cinzenta.
O jornalista NEWTON CARLOS é analista de
questões internacionais
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