São Paulo, domingo, 23 de dezembro de 2007

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ARTIGO

Cinco principais eventos do ano revelam desgaste dos EUA

Promoção do aumento de tropas no Iraque, retração do crédito imobiliário, autoritarismo no Paquistão e ascensão de Moscou e Pequim marcaram 2007

GIDEON RACHMAN
DO "FINANCIAL TIMES"

Alguns acontecimentos mudam o mundo em um instante: a queda do Muro de Berlim; os tanques invadindo a praça Tiananmen; os aviões colidindo com o World Trade Center. Até o agora não houve momentos decisivos como esses em 2007. Talvez devêssemos ser gratos por isso, já que os acontecimentos que abalam o mundo são freqüentemente atos súbitos de violência chocante. Ainda assim, pretendo tentar montar uma lista com os cinco mais importantes acontecimentos dos últimos 12 meses: Janeiro: o "surge". É cedo para dizer se a decisão do presidente George W. Bush de reforçar o número de soldados americanos no Iraque será vista como o momento em que os EUA começaram a reverter a situação ou não. As grandes questões ainda sem resposta são: temos uma guerra civil a ponto de eclodir? O que acontecerá quando os EUA retirarem seus soldados adicionais? Mesmo assim, já se tornou claro que o reforço das forças de ocupação foi um acontecimento importante. Demonstrou que Bush havia decidido rejeitar o Relatório Baker, considerado por muitos uma estratégia de saída para os americanos. No fim do ano, a redução da violência no Iraque começou a convencer alguns dos céticos da idéia. Até mesmo os principais candidatos democratas à Presidência têm se recusado a prometer que todas as tropas sairão do país até 2013. O reforço demonstrou que os EUA estão no Iraque para ficar. Fevereiro: o discurso do presidente Vladimir Putin em Munique. O presidente russo sinalizou um novo clima de política externa em seu país, com um discurso extraordinariamente irado no qual acusava os EUA de um "uso excessivo, quase descontrolado, de força (...) que está arremessando o mundo num abismo de conflitos". O discurso abriu um ano no qual a Rússia vem se provando cada vez mais ativa em todos os aspectos da política internacional. O preço elevado do petróleo e a economia doméstica em alta reforçaram a confiança do governo. E essa postura mais ativa no exterior veio acompanhada de maior autoritarismo no país. A Rússia crê que está de volta ao cenário e quer que o mundo saiba disso. Agosto: a compressão de crédito. A crise do setor americano de empréstimos imobiliários continua a se desenvolver. Talvez venha a se provar "apenas" um problema financeiro e econômico. Mas a capacidade do consumidor americano de continuar comprando foi fundamental para a economia mundial nos últimos anos. Caso a crise no mercado de crédito imobiliário de risco altere esse fator e conduza indiretamente a novas quedas do dólar, haverá implicações políticas. O relacionamento entre a China e os EUA vai se deteriorar; a economia européia sofrerá pressão, e o mesmo se aplica a todo o sistema mundial de comércio. Os EUA terão mais dificuldade para pagar as contas que lhe cabem como policial do planeta. Novembro: a PetroChina se torna a mais valiosa companhia do mundo. Sim, há diversas razões para que o fato seja considerado como uma espécie de miragem. Apenas 2,2% das ações da empresa foram colocadas em circulação na bolsa de valores de Xangai; o valor de mercado avaliado para o grupo supera o US$ 1 trilhão, o que indica uma bolha nas ações chinesas. Ainda assim, o fato de que a empresa de maior valor no mundo agora seja chinesa tem peso simbólico inegável. Novembro: o minigolpe de Estado do ditador do Paquistão, Pervez Musharraf. O Paquistão é um país para o qual todas as mais espinhosas questões da política externa americana parecem confluir. A política de Washington é promover a democracia, atacar o terrorismo e reprimir a proliferação nuclear. Mas, no Paquistão, os americanos se vêem aliados a um regime militar, a um país que promoveu a proliferação nuclear e a um parceiro ambíguo e pouco confiável nas guerras contra o terrorismo e o Taleban no vizinho Afeganistão. A decisão do general Musharraf de reter o poder e trancafiar os juízes do país representa severo embaraço para o Ocidente e prova até que ponto o Paquistão continua instável. Mas os EUA decidiram continuar a apoiá-lo, porque as demais opções plausíveis parecem piores. Existe um tema comum que una esses cinco acontecimentos? Evidentemente. O elo é o desgaste crescente pelo qual vem passando a única superpotência que resta no mundo. Os americanos estão presos em uma guerra desgastante e desmoralizante. A Rússia, um velho adversário, está se tornando mais ativa no cenário internacional. A China, um novo rival, está em ascensão. O Paquistão, um aliado vital, ameaça desmoronar. A economia americana vem sofrendo a maior pressão que enfrentou em anos. Feliz Ano Novo.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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