São Paulo, domingo, 23 de dezembro de 2007

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Violência cai, mas divisões ameaçam Iraque

Embora ataques tenham diminuído drasticamente desde janeiro, estabilização ainda depende de pacto amplo entre facções

Aumento de contingente americano e acordos com grupos sunitas são maiores razões para a melhora, cuja durabilidade ainda é incerta

ANDREA MURTA
DA REDAÇÃO

Mercados cheios. Um novo florescer, ainda tímido, dos pequenos negócios. Refugiados que começam a voltar. A crer nos relatos da mídia e dos Exércitos local e estrangeiros, esse novo cenário é o resultado da queda da violência no Iraque, que, segundo o Pentágono, voltou a níveis vistos pela última vez em meados de 2005. Mas a boa notícia vem recheada de temores: não se sabe quanto tempo a relativa calmaria vai durar.
"De 150 ataques por semana em janeiro e fevereiro deste ano, caímos para dez atualmente", festejou na última semana o coronel Paul E. Funk, citado pelo Departamento de Defesa dos EUA. Seu grupo atua nas áreas a norte e oeste de Bagdá.
Os números da violência divulgados pelo Pentágono em relatório neste mês refletem a bonança: ataques elaborados caíram mais de 50% nos últimos nove meses. As mortes de civis em episódios de violência sectária foram de mais de mil em março para cerca de 200 em novembro; carros-bomba foram cerca de 70 por mês para menos de 30 no período.
Os principais motivos para a melhoria, segundo analistas, são o "surge", ou aumento no número de soldados americanos, e a aliança de grupos sunitas contra a Al Qaeda. "Os dois se complementam; isolados, nenhum teria um resultado tão bom", disse à Folha Michael O'Hanlon, especialista em Iraque do Instituto Brookings.
Com o "surge", anunciado pelo presidente dos EUA, George W. Bush, em janeiro, foram enviados mais de 21 mil soldados extras, levando o total atualmente a cerca de 150 mil -32 mil só em Bagdá, que possui 6 milhões de habitantes.
Já a aliança dos sunitas contra o braço da Al Qaeda no Iraque nasceu, em grande parte, da rejeição contra os excessos do grupo terrorista, além da ameaça que ele oferecia ao poder de tribos locais.
O Pentágono destaca ainda o crescente apoio de voluntários a colaborar na estabilização do país, o que permitiu a formação de células de Cidadãos Locais Preocupados (em inglês, Concerned Local Citizens, ou CLC). Os CLCs são considerados pelo Exército americano "cruciais" para a derrocada da insurgência. Alguns grupos exercem vigilância em bairros, outros foram contratados para vigiar infra-estruturas. Há cerca de 69 mil pessoas nos CLCs, 80% sunitas e 20% xiitas.
Daniel Serwer, do Instituto para a Paz dos Estados Unidos, grupo independente e apartidário criado e financiado pelo Congresso americano, vê ainda outras duas razões fundamentais para a queda na violência no Iraque: a trégua do Exército de Mehdi, milícia leal ao clérigo radical xiita Moqtada al Sadr, e a crescente separação entre as populações xiita e sunita.

Contagem regressiva
Alheio ao otimismo, Andrew Bacevich, ex-coronel do Exército dos EUA e especialista em relações internacionais da Universidade de Boston, afirma que o progresso é apenas temporário. "As tropas adicionais enviadas no "surge" estão começando a voltar. A aliança sunita só deve durar enquanto os líderes tribais a considerarem vantajosa. E não há quase nenhuma evidência sugerindo que os sunitas estejam interessados na reconciliação política necessária para estabilizar o Iraque", afirmou à Folha.
Já Serwer, que foi diretor-executivo do bipartidário Grupo de Estudos do Iraque no Congresso, é mais otimista. "Uma queda desse porte deve ser vista como oportunidade para elaborar uma solução mais permanente. Ela só será temporária se permitirmos."
É consenso entre os especialistas que a "solução permanente" envolve um acordo político amplo, que estabeleça divisões mais equitativas do poder e dos dividendos do petróleo entre xiitas, sunitas e curdos.
A importância do acordo já foi percebida há muito pelos próprios americanos -os mesmos que expurgaram, após a guerra em 2003, os sunitas do poder. O movimento nessa direção, porém, tem sido lento.
"Há sinais de esperança nas Províncias, mas muito mais ainda tem que acontecer, sobretudo em Bagdá", diz O'Hanlon. "O governo central xiita tem que permitir um papel maior aos sunitas, ou o Iraque não terá a menor chance."
É por isso, destaca Serwer, que "o maior desafio militar futuro é o conflito sectário". Separar fisicamente as populações xiita e sunita, como vem fazendo o Exército local e americano, é um paliativo. Muros e postos de checagem na entrada de bairros das maiores cidades iraquianas podem dificultar ataques, mas nem sequer começam a lidar com o que está por trás da ira dos radicais.


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