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TRANSIÇÃO EM CUBA / MUDANÇA ORQUESTRADA
Normalidade inquieta Cuba sem Fidel
Estudantes vêem impasse entre modelo chinês e venezuelano; hoje, Assembléia Nacional escolhe sucessor do ditador
Paradoxos do comunismo caribenho pipocam na ilha, que aguarda em suspenso sinais do rumo futuro após renúncia do líder longevo
Efe
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Cubanos participam da inauguração da estátua do papa João Paulo 2º em Santa Clara, cidade-mausoléu de Che Guevara; relação entre regime e Vaticano é a mais próxima em 49 anos |
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A HAVANA
Os 614 deputados que se reunirão hoje para abrir os trabalhos da sétima Legislatura da
Assembléia Nacional do Poder
Popular terão a tarefa histórica
de eleger o homem que sucederá Fidel Castro depois de 49
anos de exercício contínuo e
personalista do poder supremo
em Cuba.
O jornal do Partido Comunista, o "Granma", esforça-se
para fazer parecer que tudo está normal. "A grande mudança
já a fizemos em 1959", repete,
referindo-se ao ano da chegada
ao poder dos revolucionários
que derrubaram o ditador Fulgêncio Batista, apoiado pelos
Estados Unidos.
"O povo cubano assistirá a
tudo de fora. Se quiser, pela televisão", explica sem dramas a
vendedora ambulante do
"Granma" Rosa Fernández, negra banguela, em frente ao Capitólio cubano, réplica do original americano.
Está tudo normal em Cuba.
Rosa vende o "Granma" a um
peso conversível (equivalente a
pouco mais de US$ 1 ou cerca
de R$ 1,70) para os turistas,
quando o preço escrito na capa
da publicação é de 20 centavos
do peso cubano (que vale menos de um vigésimo do conversível). Duas moedas nacionais
convivem em Cuba.
Taxistas piratas andam normalmente pelas ruas e crianças
acompanhadas pelas mães
abordam os turistas pedindo-lhes de um pedaço de frango a
um suco. "Pode ser um xampu
também?" Cantores de ragaton
(mistura caribenha de reggae
com rap) desfilam pelos lobbies
dos grandes hotéis com blusas
de beisebol, pulseiras e colares
grossos de ouro, braços inteiramente tatuados. São cubanos
ostentando em um país comunista miserável. Normal.
Onde vive Fidel Castro? Ninguém sabe, mas isso também é
assim faz tempo. Nem onde
mora Raúl. Igual. "Os únicos
que sabem onde encontrar Fidel e Raúl são Lula e Chávez",
brinca a professora primária
Inéz Sosa. "Isso é normal", defende.
Mas é só chegar à Feira Internacional do Livro, que acontece
até hoje em um dos mais bonitos cartões-postais de Havana,
a fortaleza de Las Cabañas, que
se nota algo mudando.
Milhares de pessoas, escolares e jovens em sua maioria. No
meio deles, uma célula universitária de um grupo inspirado
por Hugo Chávez vai de um estande a outro, conversando sobre o que chama de "via democrática para o socialismo". Conversam em voz alta.
China ou Venezuela
Para Andrés, 19, a ilha está
entre dois caminhos. De um lado, o modelo chinês, "ultracentralista, burocrático e capitalista". De outro, o venezuelano,
que ele vê como uma via democrática que poderia ser aplicada
em Cuba, "apesar do revés sofrido por Chávez no último referendo". (O referendo sobre a
reforma constitucional de 2 de
dezembro do ano passado foi a
primeira derrota do presidente
venezuelano nas urnas desde
que se elegeu, em 1998).
Segundo Andrés, os dois caminhos tentam se impor -e
não só na teoria. "Viu os ônibus
chineses que vieram para substituir os camelos?"
Andrés se refere a um dos
símbolos mais fortes da ineficiência da economia cubana, os
ônibus articulados conhecidos
por "camelos" -feios, com
duas incríveis corcovas, desconfortáveis, sempre hiperlotados.
Estão sendo substituídos por
modernos ônibus chineses, que
andam por Havana com inscrições em mandarim, ostentando
sua origem. E tem o petróleo,
vendido baratinho pela Venezuela, com o presidente Hugo
Chávez sempre presente na
propaganda oficial e nos noticiários de televisão
Stalinismo caribenho
O grupo de Andrés se considera socialista, admira o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) brasileiro e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Cabelos encaracolados,
branco, baixinho, Lino explica
que até agora, apesar da extensão das decisões que a Assembléia Nacional deverá tomar
(inclusive a eleição dos 31
membros do novo Conselho de
Estado, o órgão Executivo de
Cuba), não se publicou -como
sempre- um só texto.
Nem "candidatos" como
Raúl Castro, presidente interino desde julho de 2006 e irmão
de Fidel, Carlos Lage, Felipe
Pérez Roque ou Ricardo Alarcón (veja quadro nesta página)
abriram o jogo sobre qual Cuba
gostariam de ver nos próximos
anos.
"Se isso não é stalinismo, o
que é?", pergunta Lino. "É stalinismo. Caribenho, mas é",
emenda a estudante de economia Isabel, camiseta negra estampada com o rosto do beatle
John Lennon (ele também já
teve seu período de banimento
da ilha). Na camiseta, Lennon
está de boina com estrelinha,
em alto contraste, como se fosse um Che Guevara. Isabel
aponta para um sarau que começa, alegre.
Várias classes de crianças,
cerca de cem no total, uniforme
bordô, a maioria negras, com livros escolares, sentam-se para
ouvir poesias embaixo de árvores no espaço da União da Juventude Comunista, sob cartazes que dizem: "Ler é Crescer".
Na saída da feira, o grupo se
depara com um estande decorado com pôsteres do revolucionário russo e antiestalinista
Lev Davidovitch Bronstein, o
Trótski (1879-1940), banido da
ilha durante todo o período do
domínio soviético sobre Cuba.
Para Trótski o socialismo era
impossível em um só país, tinha
de ser internacionalizado, ou
morreria. "Que dirá em uma só
ilha", ironiza Isabel.
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