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TRANSIÇÃO EM CUBA / COMPORTAMENTO
Rave gay comunista é semiclandestina
Na capital, festas acontecem cada fim de semana em um
lugar diferente, longe do centro; para chegar, táxi custa US$ 1
"As pessoas não buscam
apenas sexo (ou droga);
advogados, médicos e
engenheiros querem plata,
de preferência em dólar"
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL
Até ir a Cuba, eu achava que
já tinha visto tudo em termos
de festa gay: o carnaval "Mardi
Gras" em Sydney, o "Gay Day"
na Disney, o paradão de São
Paulo, o de San Francisco, a
praia da Farme de Amoedo, no
Rio, a "praia" do Sena, em Paris,
os clubes de Tóquio, os de Nova
York e os de Londres -sem
contar o incontável.
Eis que, num sábado à noite,
eu me vi em uma... rave gay comunista. Descobri o lugar graças à gentileza de um cubano-fashion (até os gays comunistas
se revelam pelo tênis de marca)
que conheci no vôo do Panamá
para Havana.
Ele disse: "No começo da noite, todo mundo vai para a sorveteria Coppelia". O encontro é
pouco dissimulado: rola um
footing animadíssimo que se
espalha até um bar vizinho chamado Arcadia, onde todos bebem rum e cerveja.
Ali é o ponto de partida para
raves que se realizam cada fim
de semana em um lugar distante da cidade. "O povo vai de táxi,
custa US$ 1", disse o cubano.
Informou ainda que só se sabe
onde será a festa uma hora antes, para confundir a repressão.
A primeira impressão, no Arcadia, é a de que o grupo se divide em duas categorias: as "mariconas", como eles mesmo se
chamam, de meia arrastão e sobrancelha pinçada, e os "milongueiros", de ouro nos dentes,
camisetas cavadas e músculos
expostos. Não existe uma "classe média" gay.
Quatro exemplares da segunda categoria, com cifrões no lugar das pupilas, confirmam que
mais tarde vai ter festa. Por volta da meia-noite, eu e meu amigo brasileiro grudamos no que
parece ser um casal e pegamos
o mesmo táxi, um Lada caindo
de maduro.
Finalmente, depois de uma
trilha onde a terra avançava Lada adentro, chegamos à rave
comunista. Consiste em um
grupo de cerca de mil homens
-não há uma única mulher-
em uma espécie de campo de
futebol acidentado, cheio de
mato, conversando ao som de
música eletrônica "básica". Até
a house music em Cuba é racionada. Nada de DJs-convidados
ou estrelas: um só resolve.
O bar é feito de tábuas de
compensado, tosco como uma
barraca de quermesse de festa
de São João, e serve rum e cerveja a US$ 1. Levando-se em
conta que um médico como o
que me abordou ganha cerca de
US$ 30 ao mês, sobra pouco do
salário para beber.
Por isso, na rave gay comunista as pessoas não buscam
apenas sexo (ou droga). Os advogados, médicos e engenheiros querem "plata" também.
Em dólar, de preferência.
O médico pediu uma ajuda
para pagar o táxi em uma visita
que me faria no dia seguinte.
Um economista perguntou se
eu não queria oferecer uma bebida. Meu amigo brasileiro disse que cobiçaram sua camisa de
seda azul tipo "social".
Fora esse detalhe do donativo, percebe-se (até mesmo em
Cuba) que gay é como Mc Donalds: igual em toda parte do
mundo. Na maioria das vezes, a
apresentação é a mesma: corpão musculoso, camiseta muito
justa , boné, calça de grife, frenesi na pista de dança.
Antes que alguém pense que
eu e meu amigo somos dois desavisados, e que os médicos, advogados, economistas etc eram,
na verdade, "pingueiros" -os
prostitutos de lá, em alusão à
"pinga", gíria para designar o
órgão sexual masculino- é
bom dizer que tínhamos, à época (2002), respectivamente, 46
anos (ele) e 40, eu. Ou seja, experiência suficiente para reconhecer "pingueiros".
Fim da festa: voltamos para o
hotel em Miramar, o bairro cinco estrelas, e confesso que foi
mais fácil achar a festa divertida à distância e desfrutando do
ar condicionado.
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