São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2008

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TRANSIÇÃO EM CUBA / COMPORTAMENTO

Rave gay comunista é semiclandestina

Na capital, festas acontecem cada fim de semana em um lugar diferente, longe do centro; para chegar, táxi custa US$ 1

"As pessoas não buscam apenas sexo (ou droga); advogados, médicos e engenheiros querem plata, de preferência em dólar"

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Até ir a Cuba, eu achava que já tinha visto tudo em termos de festa gay: o carnaval "Mardi Gras" em Sydney, o "Gay Day" na Disney, o paradão de São Paulo, o de San Francisco, a praia da Farme de Amoedo, no Rio, a "praia" do Sena, em Paris, os clubes de Tóquio, os de Nova York e os de Londres -sem contar o incontável.
Eis que, num sábado à noite, eu me vi em uma... rave gay comunista. Descobri o lugar graças à gentileza de um cubano-fashion (até os gays comunistas se revelam pelo tênis de marca) que conheci no vôo do Panamá para Havana.
Ele disse: "No começo da noite, todo mundo vai para a sorveteria Coppelia". O encontro é pouco dissimulado: rola um footing animadíssimo que se espalha até um bar vizinho chamado Arcadia, onde todos bebem rum e cerveja.
Ali é o ponto de partida para raves que se realizam cada fim de semana em um lugar distante da cidade. "O povo vai de táxi, custa US$ 1", disse o cubano. Informou ainda que só se sabe onde será a festa uma hora antes, para confundir a repressão.
A primeira impressão, no Arcadia, é a de que o grupo se divide em duas categorias: as "mariconas", como eles mesmo se chamam, de meia arrastão e sobrancelha pinçada, e os "milongueiros", de ouro nos dentes, camisetas cavadas e músculos expostos. Não existe uma "classe média" gay.
Quatro exemplares da segunda categoria, com cifrões no lugar das pupilas, confirmam que mais tarde vai ter festa. Por volta da meia-noite, eu e meu amigo brasileiro grudamos no que parece ser um casal e pegamos o mesmo táxi, um Lada caindo de maduro.
Finalmente, depois de uma trilha onde a terra avançava Lada adentro, chegamos à rave comunista. Consiste em um grupo de cerca de mil homens -não há uma única mulher- em uma espécie de campo de futebol acidentado, cheio de mato, conversando ao som de música eletrônica "básica". Até a house music em Cuba é racionada. Nada de DJs-convidados ou estrelas: um só resolve.
O bar é feito de tábuas de compensado, tosco como uma barraca de quermesse de festa de São João, e serve rum e cerveja a US$ 1. Levando-se em conta que um médico como o que me abordou ganha cerca de US$ 30 ao mês, sobra pouco do salário para beber.
Por isso, na rave gay comunista as pessoas não buscam apenas sexo (ou droga). Os advogados, médicos e engenheiros querem "plata" também. Em dólar, de preferência.
O médico pediu uma ajuda para pagar o táxi em uma visita que me faria no dia seguinte. Um economista perguntou se eu não queria oferecer uma bebida. Meu amigo brasileiro disse que cobiçaram sua camisa de seda azul tipo "social".
Fora esse detalhe do donativo, percebe-se (até mesmo em Cuba) que gay é como Mc Donalds: igual em toda parte do mundo. Na maioria das vezes, a apresentação é a mesma: corpão musculoso, camiseta muito justa , boné, calça de grife, frenesi na pista de dança.
Antes que alguém pense que eu e meu amigo somos dois desavisados, e que os médicos, advogados, economistas etc eram, na verdade, "pingueiros" -os prostitutos de lá, em alusão à "pinga", gíria para designar o órgão sexual masculino- é bom dizer que tínhamos, à época (2002), respectivamente, 46 anos (ele) e 40, eu. Ou seja, experiência suficiente para reconhecer "pingueiros".
Fim da festa: voltamos para o hotel em Miramar, o bairro cinco estrelas, e confesso que foi mais fácil achar a festa divertida à distância e desfrutando do ar condicionado.


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