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Joseph Ratzinger esvaziou ala liberal no Brasil
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
O esvaziamento da igreja progressista no Brasil durante o pontificado de João Paulo 2º, sob a influência do então cardeal Joseph
Ratzinger, foi obtido com o "silêncio obsequioso" imposto aos
líderes do movimento e com o
"sofrimento silencioso" de muitos bispos, no dizer do padre historiador José Oscar Beozzo.
O caso "mais clamoroso" de
desmontagem é o da arquidiocese
de Olinda e Recife: "O substituto
de d. Hélder Câmara, d. José Cardoso Sobrinho, recebido com todo carinho pelo velho arcebispo e
por seus auxiliares em abril de
1985, dedicou-se a desmantelar
todo o trabalho anterior", revela o
padre Beozzo, no livro "A Igreja
do Brasil" (Editora Vozes).
Foram fechados o Instituto Teológico do Recife (Iter) e o Seminário Regional do Nordeste. A Comissão de Justiça e Paz foi dissolvida. As pastorais da terra e da juventude foram expulsas da sede
regional da CNBB (Confederação
Nacional dos Bispos do Brasil).
A "missão de destruir tudo que
os predecessores haviam feito" foi
narrada em palestra do padre belga José Comblin, nos EUA, em
2003. Entre os "casos escandalosos", ele citou o que ocorreu em
Recife e São Paulo.
A arquidiocese de São Paulo foi
fatiada, para esvaziar a liderança
de d. Paulo Evaristo Arns. "D.
Paulo não se curvou", diz Beozzo.
"Ele foi nosso pára-raios", diz o
diocesano Benedito Ferraro. Em
Recife, o esfacelamento foi "facilitado" pela sucessão natural de d.
Hélder, que se afastou ao completar 75 anos. Por seu estilo, sofreu
em silêncio.
"Ele já estava em idade avançada e sua reação foi adoecer", diz o
beneditino Marcelo Barros, seu
secretário para assuntos de ecumenismo entre 1967 e 1976. "As
veias de suas pernas estouraram",
diz Barros. "Por formação, quando se tratava de questões da igreja,
ele não protestava. Ele tinha consciência de que, se reagisse contra
as ordens de Roma, iriam sofrer
as pessoas ainda ligadas a ele".
Na divisão da arquidiocese de
São Paulo, d. Paulo sugeriu que os
bispos das regiões episcopais continuassem à frente das áreas convertidas em dioceses. Não foi
atendido nem consultado sobre
os seus novos subordinados.
Em seguidas viagens a Roma, d.
Hélder pediu a nomeação, como
arcebispo coadjutor, de seu auxiliar por mais de 20 anos, d. José
Lamartine. Roma respondeu que
não nomeava bispos auxiliares,
com direito a sucessão. Na época,
o auxiliar de Belo Horizonte foi
nomeado arcebispo. "Tem-se a
impressão de que alguns setores
romanos apostam na discórdia e
na divisão", diz Beozzo.
O Iter era um dos "institutos de
pastoral" para cursos de reciclagem do clero e formação de leigos
que deveriam atuar em comunidades na periferia.
Sem nenhum contato prévio de
Roma com as arquidioceses, esses
institutos receberam "visitas canônicas". Uma carta da Congregação para a Educação Católica
determinou o fechamento do Iter
e do seminário de Recife. A CNBB
só veio a saber do fechamento pela imprensa.
Bispos escreveram ao papa, dizendo-se "estarrecidos", considerando a decisão "desaforada, desrespeitosa e humilhante", "preconcebida, injusta e prematura".
Como Roma não reconsiderou
a decisão, o arcebispo de João Pessoa reabriu, com a presença de d.
Hélder, o seminário maior da Paraíba, fechado 25 anos antes.
O seminário de Olinda, um centro de formação para leigos nos
tempos de d. Hélder, foi transformado num seminário nos moldes
antigos. Os franciscanos começaram, então, um curso de teologia
alternativa, um instituto aberto,
que funciona no convento próximo ao velho seminário.
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