São Paulo, domingo, 24 de abril de 2005

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Joseph Ratzinger esvaziou ala liberal no Brasil

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O esvaziamento da igreja progressista no Brasil durante o pontificado de João Paulo 2º, sob a influência do então cardeal Joseph Ratzinger, foi obtido com o "silêncio obsequioso" imposto aos líderes do movimento e com o "sofrimento silencioso" de muitos bispos, no dizer do padre historiador José Oscar Beozzo.
O caso "mais clamoroso" de desmontagem é o da arquidiocese de Olinda e Recife: "O substituto de d. Hélder Câmara, d. José Cardoso Sobrinho, recebido com todo carinho pelo velho arcebispo e por seus auxiliares em abril de 1985, dedicou-se a desmantelar todo o trabalho anterior", revela o padre Beozzo, no livro "A Igreja do Brasil" (Editora Vozes).
Foram fechados o Instituto Teológico do Recife (Iter) e o Seminário Regional do Nordeste. A Comissão de Justiça e Paz foi dissolvida. As pastorais da terra e da juventude foram expulsas da sede regional da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil).
A "missão de destruir tudo que os predecessores haviam feito" foi narrada em palestra do padre belga José Comblin, nos EUA, em 2003. Entre os "casos escandalosos", ele citou o que ocorreu em Recife e São Paulo.
A arquidiocese de São Paulo foi fatiada, para esvaziar a liderança de d. Paulo Evaristo Arns. "D. Paulo não se curvou", diz Beozzo. "Ele foi nosso pára-raios", diz o diocesano Benedito Ferraro. Em Recife, o esfacelamento foi "facilitado" pela sucessão natural de d. Hélder, que se afastou ao completar 75 anos. Por seu estilo, sofreu em silêncio.
"Ele já estava em idade avançada e sua reação foi adoecer", diz o beneditino Marcelo Barros, seu secretário para assuntos de ecumenismo entre 1967 e 1976. "As veias de suas pernas estouraram", diz Barros. "Por formação, quando se tratava de questões da igreja, ele não protestava. Ele tinha consciência de que, se reagisse contra as ordens de Roma, iriam sofrer as pessoas ainda ligadas a ele".
Na divisão da arquidiocese de São Paulo, d. Paulo sugeriu que os bispos das regiões episcopais continuassem à frente das áreas convertidas em dioceses. Não foi atendido nem consultado sobre os seus novos subordinados.
Em seguidas viagens a Roma, d. Hélder pediu a nomeação, como arcebispo coadjutor, de seu auxiliar por mais de 20 anos, d. José Lamartine. Roma respondeu que não nomeava bispos auxiliares, com direito a sucessão. Na época, o auxiliar de Belo Horizonte foi nomeado arcebispo. "Tem-se a impressão de que alguns setores romanos apostam na discórdia e na divisão", diz Beozzo.
O Iter era um dos "institutos de pastoral" para cursos de reciclagem do clero e formação de leigos que deveriam atuar em comunidades na periferia.
Sem nenhum contato prévio de Roma com as arquidioceses, esses institutos receberam "visitas canônicas". Uma carta da Congregação para a Educação Católica determinou o fechamento do Iter e do seminário de Recife. A CNBB só veio a saber do fechamento pela imprensa.
Bispos escreveram ao papa, dizendo-se "estarrecidos", considerando a decisão "desaforada, desrespeitosa e humilhante", "preconcebida, injusta e prematura".
Como Roma não reconsiderou a decisão, o arcebispo de João Pessoa reabriu, com a presença de d. Hélder, o seminário maior da Paraíba, fechado 25 anos antes.
O seminário de Olinda, um centro de formação para leigos nos tempos de d. Hélder, foi transformado num seminário nos moldes antigos. Os franciscanos começaram, então, um curso de teologia alternativa, um instituto aberto, que funciona no convento próximo ao velho seminário.


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