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Solução à guerra é regional, diz Tariq Ali
Escritor e ativista de esquerda, paquistanês afirma que EUA não podem vencer Taleban e propõe reunião com países vizinhos
Para Ali, Obama ainda não deixou claros seus objetivos na região; crítico de grupos religiosos radicais, ele se opõe a vetá-los em eleições
Ulf Andersen - 2.fev.07.Getty Images/
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O escritor e ativista paquistanês Tariq Ali, um dos editores da revista britânica "New Left Review" |
DA SUCURSAL DO RIO
Um dos editores da revista
britânica "New Left Review",
conhecido pela visceral militância contra a política externa
americana, o escritor e ativista
paquistanês Tariq Ali se apoia
em diagnóstico de um ex-diretor da CIA, a agência de inteligência dos EUA, para afirmar: a
Otan (aliança militar ocidental)
não pode vencer a guerra no
Afeganistão, que se espraia para dentro de seu país.
Ali preconiza solução regional, com participação dos países que apoiam grupos envolvidos no conflito afegão.
Diz que os fundamentalistas
do Taleban, longe de representarem ameaça aos EUA, são hoje um movimento nacional dos
pashtuns -quase metade dos
afegãos e pelo menos 15% dos
paquistaneses.
Autor de mais de uma dezena
de livros, Ali acaba de lançar
"The Duel" (o duelo), sobre o
Paquistão, que sairá no Brasil,
em 2010, pela Record. Leia trechos da entrevista à Folha, feita por telefone de Londres.
(CLAUDIA ANTUNES)
FOLHA - Há um ano, o senhor escreveu que o aumento de tropas no
Afeganistão não funcionaria. Mas
isso é o que decidiu a Casa Branca de
Barack Obama. O que virá agora?
TARIQ ALI - O que eu disse acabou de ser repetido em um artigo de Graham Fuller, ex-chefe
da estação da CIA em Cabul:
não é possível vencer a guerra; a
fronteira entre Afeganistão e
Paquistão é muito grande e
montanhosa, não pode ser policiada; a resistência aos EUA
agora se tornou parte do movimento nacional patshun.
A única solução que poderia
criar alguma estabilidade na região é a retirada da Otan. Os
EUA são parte do problema.
Isso pensa a maioria dos observadores qualificados, e é difícil entender o que Obama está
fazendo. Os EUA precisam esclarecer seus objetivos, quanto
tempo vão ficar. Até agora, o
que fizeram foi desestabilizar
um país [o Paquistão] para
manter a ocupação de outro.
FOLHA - O governo Obama diz que
visa combater a Al Qaeda e atrair para negociações o setor "moderado"
do Taleban.
ALI - É uma brincadeira. Em
primeiro lugar, não é possível
confundir a Al Qaeda com o Taleban. A Al Qaeda é um pequeno grupo terrorista que toda
grande agência de inteligência
diz que está em declínio e não
representa ameaça. O Taleban
é hoje essencialmente um movimento nacional que quer expulsar os estrangeiros.
Antes do 11 de Setembro, os
EUA lidavam com o governo do
Taleban, que tinha escritório
em Nova York. O relatório da
comissão [do Congresso dos
EUA] sobre o 11 de Setembro
diz que o Taleban estava disposto a entregar a Al Qaeda,
mas queria ver as provas [de
participação nos atentados]. A
política social do Taleban é
horrível, mas negociar com os
EUA não é problema para eles.
FOLHA - Argumenta-se que, se os
EUA saírem do Afeganistão, o cenário será semelhante ao que se seguiu à retirada soviética em 1989,
com os grupos islâmicos combatendo entre si.
ALI - Por isso proponho uma
conferência regional, com os
três principais países ligados a
grupos em disputa no Afeganistão -Paquistão, Irã e Rússia.
Vamos discutir a estabilização, de modo que a Otan possa
se retirar, ou discutir como os
respectivos aliados no Afeganistão podem se sentar e negociar um governo de união nacional, que garanta ao povo afegão que não haverá guerra civil.
Depois é preciso consultar
Índia e China, para ajuda na reconstrução. Se os EUA entregarem aos militares afegãos, não
será suficiente.
FOLHA - Outro argumento é que
mulheres e crianças afegãs estarão
desprotegidas. Como lidar com os
direitos humanos numa sociedade
como a afegã?
ALI - A condição das mulheres
afegãs não melhorou após oito
anos de ocupação.
Há poucas semanas, no vale
do Swat, no Paquistão, uma
mulher foi açoitada por homens do Taleban. Isso foi filmado secretamente, por pessoas que conheço, e eles entregaram a fita a uma TV. A reação
foi de raiva no país.
Mulheres e homens se manifestaram, o presidente da Suprema Corte chamou o procurador-geral e cobrou ação. A
pressão levou a liderança oficial do Taleban no Paquistão a
se distanciar do açoitamento.
Nessa questão, como em outras, a mudança só pode vir de
dentro.
FOLHA - Os EUA se aproximaram
da Índia, com um acordo nuclear
que relegou a parceria com o Paquistão a um nível menor. Como vê este
quebra-cabeças?
ALI - Nós últimos 50 anos, os
EUA sempre viram a Índia como um país crucial, que eles
vêm tentando transformar no
seu aliado principal no sul da
Ásia, especialmente para se desenvolver economicamente como rival da China.
Os governantes paquistaneses, incluindo os militares, se
sentem isolados, e agem como
tal. Soube-se que parte dos bilhões fornecidos pelos Estados
Unidos ao Paquistão depois do
11 de Setembro foi desviada para o programa nuclear. Não fico
surpreso.
FOLHA - Diz-se que, por causa da
disputa com a Índia pela Caxemira,
os militares paquistaneses não se
esforçam contra o Taleban. O serviço secreto usaria contatos com os
extremistas para combater os indianos. Esse raciocínio ainda é válido?
ALI - Parcialmente. Mas agora
os EUA estão avisando os militares paquistaneses de que, a
menos que comecem a lutar
contra os pashtuns na fronteira, não receberão dinheiro. Isso
cria divisões dentro das Forças
Armadas, o que é perigoso.
Muitos oficiais estão antecipando sua passagem à reserva
ou se negando a cumprir um segundo turno. Sabem que a única razão pela qual lutam é porque estão sendo pagos pelos Estados Unidos.
Quanto à questão da Caxemira, a menos que ela seja resolvida, se necessário com ajuda externa nas negociações, será difícil solucionar a situação no
sul da Ásia.
FOLHA - O Paquistão fez acordo
com o Taleban no vale do Swat, no
começo do ano, e foi criticado. Era a
estratégia correta?
ALI - O verdadeiro problema
no Paquistão é que, nos últimos
60 anos, nós tivemos uma das
elites dirigentes mais venais e
corruptas do mundo. Não há
educação para os pobres, sistema de saúde. Os grupos religiosos educam e alimentam os filhos das famílias pobres em
suas escolas.
O papel do governo paquistanês não é deixar o Taleban fazer
o que quiser, mas ter um plano
social para transformar a região. Para reduzir a influência
dos grupos religiosos -e eles
nunca conseguem mais do que
10% nas eleições-, é preciso
gastar o que vai para os militares em infraestrutura social para a maioria.
FOLHA - Há um debate sobre se os
sistemas democráticos devem incluir os partidos religiosos como o
Hamas palestino, a Irmandade Muçulmana egípcia. Argumenta-se
que, no poder, esses grupos acabariam com a democracia. Qual a sua
opinião?
ALI - Discordo desses grupos
nos temas mais básicos. Mas
acho que não é possível negar-lhes a participação em eleições
democráticas.
O exemplo do que aconteceu
na Argélia [com o golpe militar
de 1991, que impediu a vitória
da Frente Islâmica de Salvação]
é desastroso. Se tivessem ganhado, longe de estabelecer
uma ditadura, havia duas ou
três correntes dentro da FIS
que rapidamente rachariam.
Mas o cancelamento das eleições levou a uma guerra com
milhares de mortos, que destruiu a cultura política do país.
O Egito é governado por um
ditador corrupto. Mas, se houvesse eleições livres, acredito
que os islâmicos teriam cerca
de 35% a 40% dos votos, não
muito mais.
A maioria dos programas
desses grupos não é muito muito diferente dos de partidos democratas cristãos em outras
partes. Por que não é possível
ter o equivalente no mundo
muçulmano? Por outro lado, os
islamistas da Turquia são os favoritos da Otan. O padrão duplo não deveria existir.
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