São Paulo, segunda-feira, 24 de maio de 2010

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Suazilândia: o país soropositivo

Doentes com Aids respondem por 26,1% dos habitantes do reino

Stephane de Sakutin- 27.out.09/France Presse
Enfermeira, de máscara, observa doentes diante de uma clínica para pacientes com Aids e tuberculose na Suazilândia

FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL À SUAZILÂNDIA

Numa equipe de futebol qualquer da Suazilândia, pelo menos dois jogadores têm Aids. Numa van lotada -principal meio de transporte local-, são três. No maior estádio de futebol do país, num jogo com capacidade esgotada, 5.000 pessoas são, estatisticamente, portadoras do vírus HIV.
Pequeno reino encravado entre a África do Sul e Moçambique, a Suazilândia é recordista mundial na proporção de doentes de Aids. A epidemia atinge 26,1% de seu 1,33 milhão de habitantes, segundo estatísticas da Unaids, órgão da ONU responsável pela área.
Com 1 em 4 habitantes contaminados, o país bate com folga os próximos no ranking, Botsuana (23,9%) e Lesoto (23,2%).
O cenário piora bastante na faixa etária entre 25 e 29 anos, em que 46% dos suazis têm o vírus.
A epidemia domina o debate político, emperra a atividade econômica e define a vida dos habitantes deste país rural, dono de uma cultura forte que o fez sobreviver ao longo dos séculos, de maneira improvável, como um Estado independente.
Uma rápida olhada no mapa basta para deixar claro como a Suazilândia é um exotismo, inclusive do ponto de vista geográfico.

TRADIÇÃO IGNORADA
"Inúmeros erros foram cometidos até chegarmos a esse ponto. Não houve um bom trabalho de prevenção. E a forte cultura suazi deveria ter sido usada como aliada", afirma Sophia Mukasa-Monico, diretora da Unaids na Suazilândia.
Na tentativa de espalhar informação, chefes de vilarejos foram ignorados, diz ela.
"Se você convocar um seminário sobre Aids, vai atrair 50 pessoas. Se usar os eventos tradicionais, organizados pelo chefe da vila, chegará a milhares. Aqui, as pessoas escutam o que dizem os chefes", relata a especialista.
Há uma década, a taxa de contaminação era superior: 39% da população. Mas o dado não é positivo como aparenta. Indica que muitas pessoas morreram no período.
A expectativa da ONU é que o índice suba dos atuais 26,1% para algo perto de 30% nos próximos cinco anos, antes de começar a declinar.
Pode parecer paradoxal, mas essa notícia é dotada de um lado positivo.
Com a ajuda de drogas antirretrovirais, as pessoas estão vivendo mais tempo com Aids, de maneira saudável. Fica difícil dizer quem tem o vírus e quem não tem.
No maior shopping de Manzini, principal cidade do país, jovens se mostram preocupados.
"Ninguém sabe quem tem o vírus. Não é algo que as pessoas contam na escola", afirma Dennis Khumalo, 18. A garota Hlengiwe Vilane, 18, diz que tem medo porque já viu muita gente morrer.
"A maioria dos homens não quer usar camisinha. Dizem que aqui ninguém usa."
O maior problema hoje é a chegada de novos doentes.
Por ano, o número de soropositivos cresce 3%, para um aumento populacional de 1,3% anual.
A cultura, nesse caso, atrapalha. A tradição da poligamia é firme no país. Homens têm em média cinco parceiras, formais -em casamentos- ou não. "A poligamia é definitivamente um fator de contaminação e não é facilmente retirada da cultura da Suazilândia", diz Muhle Dlamini, coordenador de prevenção a Aids do governo.
Siphiwe Hlophe, diretora da ONG Swaziland Positive Living (Swapol), aponta o problema da submissão feminina. "O homem é quem sempre decide quando fazer sexo seguro. A situação melhoraria se houvesse distribuição de preservativos femininos", enfatiza ela.
Outros fatores ajudam a explicar os níveis dramáticos da epidemia. Há um grande movimento migratório de homens que trabalham na África do Sul e trazem o vírus para casa. Com boas estradas, a Suazilândia funciona como rota de passagem de caminhoneiros, um grupo altamente suscetível à doença. E, nas zonas rurais do país, a informação chega de maneira escassa.

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