São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007

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"Política e economicamente, apostas são mais altas na região"

DA REDAÇÃO

Bastava folhear o último livro de Niall Ferguson para pressentir que ele não iria deixar Edward Luttwak sem resposta. Em "A Guerra do Mundo", ainda não publicado no Brasil, o historiador escocês faz uma avaliação arrepiante da relevância do Oriente Médio para a segurança global. Segundo ele, a região apresenta hoje os mesmos ingredientes explosivos que detonaram as duas guerras mundiais do século 20.
Em entrevista à Folha por telefone, de Londres, Ferguson disse que dar as costas ao Oriente Médio, como recomenda Luttwak, é um convite à catástrofe. (MN)

 

FOLHA - Por que o Oriente Médio importa?
NIALL FERGUSON -
Em primeiro lugar, a importância econômica do Oriente Médio está crescendo, pois nossa dependência de combustíveis fósseis não caiu. O Oriente Médio é a principal fonte futura de petróleo e gás natural. A idéia de que isso não importa é economicamente ridícula.
Em segundo lugar, o nível de violência no Oriente Médio é altíssimo e tem potencial para crescer ainda mais. Cerca de 3.000 pessoas são mortas no Iraque todo mês, e a tendência é que esse número aumente se os EUA se retirarem do país. Há risco de guerra total, entre os EUA e o Irã e entre Israel e o Irã. É uma região extremamente perigosa.

FOLHA - Em seu livro, o sr. diz que a próxima grande guerra global terá origem no Oriente Médio. Luttwak chama esse tipo de previsão de "catastrofismo".
FERGUSON -
Ao olharmos para o século 20 notamos que uma enorme proporção dos conflitos ocorreu no leste e no centro da Europa, e há boas razões para isso. Havia conflitos étnicos tremendos e uma série de crises de ordem imperial. O Oriente Médio de hoje tem uma situação parecida. Temos o potencial de conflito étnico -já óbvio em Israel-Palestina e no Iraque- e uma crise da ordem imperial, em que os EUA estão perdendo o controle sobre a região. Em minha opinião, o risco de um conflito global tem sido menosprezado.

FOLHA - O sr. concorda com Luttwak que crises em outras partes do mundo deveriam receber mais atenção?
FERGUSON -
Política e economicamente, as apostas são mais altas no Oriente Médio. A principal fonte de financiamento do 11 de Setembro foi o Oriente Médio. Metade das mortes por terrorismo no mundo desde os anos 60 ocorreu na região.

FOLHA - A busca de países como o Brasil por alternativas para o petróleo pode reduzir a importância e os riscos da região?
FERGUSON -
O uso de combustíveis fósseis na Ásia está crescendo num ritmo muito mais rápido que a capacidade do Brasil de reduzir o consumo. Há uma ilusão em relação à rapidez com que se poderá substituir petróleo por álcool.

FOLHA - O sr. cita a velha máxima do império britânico, "dividir para governar", para dizer que hoje no Oriente Médio há muita divisão mas pouco governo. Que significado tem a decisão do Ocidente de apoiar o Fatah na Cisjordânia, para isolar o Hamas em Gaza?
FERGUSON -
Mais divisão e menos governo. Torna mais difícil do que nunca chegar a uma solução estável. A divisão revela como era limitado o conceito de "choque de civilizações". Essa não é uma guerra entre Ocidente e islã. São batalhas bem mais complexas.

FOLHA - Que tipo de intervenção diplomática seria eficiente?
FERGUSON -
Muito tempo foi desperdiçado com o governo Bush. O poder de iniciativa foi perdido. Bush não soube usar sua influência como presidente dos EUA no Oriente Médio. Mas os EUA não são os únicos responsáveis. Todos os membro permanentes do Conselho de Segurança da ONU [EUA, Reino Unido, França, Rússia e China] têm o dever de estabilizar a situação em Gaza e no Iraque. Mas não há sinais de que a China, muito menos a Rússia, vejam a necessidade disso.

FOLHA - Dá certo isolar os extremistas, como Irã e os grupos que ele apóia, Hizbollah e Hamas?
FERGUSON -
Não. A coisa mais importante agora é o engajamento com o Irã. Se o próximo presidente [dos EUA] for sensato ele fará o que fez Nixon quando foi à China. Precisamos de um presidente que vá a Teerã e comece a engajar essas pessoas. Isolar regimes e aplicar sanções quase nunca funcionou na história da diplomacia.

FOLHA - Pelos dois porta-aviões que enviaram ao golfo Pérsico, parece-lhe que os EUA estejam inclinados a fazer isso?
FERGUSON -
A probabilidade de que Bush ordene uma ação militar antes de deixar a Casa Branca é de 50%. Estamos mais próximos do que muita gente se dá conta de um segundo ataque preventivo americano. As conseqüências de uma ação como essa são incalculáveis. Estamos numa época muito perigosa e, por isso, discordo categoricamente de Luttwak. Dar as costas para o Oriente Médio hoje seria como fazê-lo com os Bálcãs no verão de 1914.


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