São Paulo, segunda-feira, 24 de julho de 2006

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GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

Vinte ônibus retiram brasileiros do Bekaa

Alívio e preocupação tomam conta da comunidade de 6.000 imigrantes na região atingida por bombardeios israelenses

Até o fim desta semana, pelo menos 975 brasileiros devem ser retirados do Líbano via Síria em cinco vôos da FAB e dois da TAM

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL AO VALE DO BEKAA

EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Se não houver mais um cancelamento de última hora, termina hoje para cerca de mil cidadãos brasileiros a angústia de ficar isolados numa área de conflito. Nos 20 ônibus que partem em dois turnos do vale do Bekaa, no leste do Líbano, eles deixam para trás o desejo de uma volta às origens, em troca de um refúgio dos bombardeios diários na região nos últimos 12 dias.
Depois da frustração com o cancelamento da operação de retirada de cerca de 800 brasileiros que ocorreria na última sexta, um novo comboio foi organizado por líderes da comunidade, que ajudaram o consulado em Beirute a fretar ônibus e convocar interessados.
Segundo o Itamaraty, por segurança, o Exército de Israel impediu que o comboio usasse uma estrada na parte oriental do Líbano, pela qual a viagem levaria 90 minutos, e ordenou que ele seguisse pelo norte, num trajeto de 14 horas.
Mas os coordenadores da operação no vale relutavam em seguir a ordem. Preferiam percorrer apenas 7 km até a fronteira com a Síria, apesar do risco, e dali seguir para Damasco, onde embarcarão para o Brasil.
Por causa do número limitado de vôos da FAB (Força Aérea Brasileira), a retirada completa das cerca de 1.300 pessoas que formalizaram pedidos de retorno deve durar até a semana que vem, caso não suba a demanda.
Até o fim de semana, pelo menos 975 brasileiros terão sido retirados via Síria em cinco vôos da FAB e dois da TAM. Um Airbus da empresa, que já estava no Oriente Médio e tem capacidade para 225 pessoas, decolará de Damasco na quarta. A aeronave poderá retornar a seguir para mais um vôo da Síria, em operação paga pela TAM.
Amanhã o Itamaraty pode anunciar a adesão de outras empresas ao plano de retirada. Dois vôos da FAB já decolaram da Síria com brasileiros -um dos quais, com 150 pessoas, chegará na tarde de hoje a São Paulo. Ontem, outros 73 brasileiros deixaram o Líbano em um navio canadense.

Cidade fantasma
O medo transformou agitadas localidades do Bekaa em cidades fantasmas. O isolamento aumentou com o bombardeio de vias de acesso a Beirute e a Damasco. Da estrada que liga a capital ao vale, a reportagem da Folha presenciou três ataques, que aparentemente visavam depósitos e fábricas.
Ontem, enquanto se preparavam para partir, escolhendo o que incluir nos dez quilos de bagagem a que cada um tem direito, os brasileiros exibiam alívio e preocupação. "É muito difícil deixar tudo de uma hora para outra", diz Maamoun Saif na varanda de sua casa, na cidade de Sultan Yaakub.
Maamoun -que levará a mulher e os dois filhos de volta ao bairro paulistano do Tatuapé, que deixou há oito anos- vive a experiência de ser um refugiado de guerra pela segunda vez. Em 1982, quando Israel invadiu o Líbano, ele estudava em Beirute e teve menos tempo para sair. "Tive que deixar o país vestido com as roupas da minha tia, porque estava sem passaporte", conta um sorridente Maamoun, que repete hoje a travessia da fronteira síria.
No Bekaa, onde calcula-se que haja pelo menos 6.000 cidadãos do país, o Brasil está em toda parte, da loja de roupas femininas "Belíssima" ao salão de manicure que oferece seus serviços de depilação em português. "Não há uma só casa aqui em que não haja pelo menos uma pessoa que fale português", diz o paulistano Mohamad Abduni, vereador em Sultan Yaakub e um dos organizadores do comboio. Em tempos de guerra, conta, a bandeira do Brasil deixou de ser um símbolo de patriotismo para tornar-se instrumento de autodefesa.
"Sei que os israelenses gostam do Brasil, por isso coloquei a bandeira na porta de casa", diz Abduni, que mora a poucos quilômetros da fábrica de móveis bombardeada por Israel onde morreu o brasileiro Dib Barakat, na semana passada.
Os brasileiros estão por todos os lados, e é bem possível que os ônibus de hoje não sejam suficientes para a demanda dos que querem partir. Quem não pode deixar a vida construída no Líbano tenta ao menos salvar a família. É o caso de Ahmad Youssef Mourad, que tem uma oficina de costura em Ghazi. Hoje ele se despede dos quatro filhos e da mulher.
"Dá muito medo, mas não posso deixar tudo de repente", lamenta o alfaiate. "Um dos mísseis caiu aqui perto, mas tenho certeza de que o alvo era o cruzamento em frente à minha oficina. Sorte que erraram."


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