São Paulo, sexta-feira, 24 de julho de 2009

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ANÁLISE

Visita de iraniano é complicada para Lula

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

É absoluta, a ponto de impressionar, a simetria de posições entre o chanceler ultralinha-dura de Israel, Avigdor Liberman, e Barack Obama, o mais "soft" presidente que os Estados Unidos tiveram desde Jimmy Carter (1977-81). Coincidência no ponto específico das relações Brasil-Irã.
Basta conferir frases de ambas as partes. Anteontem, em Brasília, Liberman disse que "o Brasil, mais que qualquer outro país" pode ajudar a pôr fim ao programa nuclear iraniano.
No dia 9 passado, em Áquila (Itália), Obama disse a seu colega Luiz Inácio Lula da Silva que "por causa da força e profundidade das relações comerciais [Brasil-Irã], o Brasil pode ter um impacto ao reiterar que o governo iraniano tem responsabilidades com a comunidade internacional no que se refere ao programa nuclear", conforme o relato da conversa entre os dois presidentes feito depois por Robert Gibbs, porta-voz da Casa Branca.
A coincidência significa, na prática, o seguinte: desprezar a sugestão de Liberman é relativamente fácil porque se trata de um personagem ultracontrovertido e ministro de um país que não é prioritário para a diplomacia brasileira.
Mas se o fizer, o presidente Lula estará desprezando também um palpite de Obama, com o qual o governante brasileiro está tão encantado que sua diplomacia procura tirar do caminho do norte-americano todas as minas que aqui e ali aparecem, ao menos no cenário latino-americano.
É claro que convém uma pitada de ceticismo a respeito da real capacidade de o Brasil influir sobre o Irã. As relações comerciais podem ser crescentes mas estão de longe de ter, para um lado e outro, a mesma importância dos negócios Brasil-EUA ou Brasil-China, para ficar em apenas dois exemplos.
Além disso, regimes autoritários e ainda por cima de base religiosa, como o do Irã, têm imensa dificuldade em aceitar qualquer palpite externo, sempre visto como ingerência em negócios internos.
Sem mencionar o racha entre os aiatolás que ficou cristalino em consequência do processo eleitoral e cujos desdobramentos podem provocar algum tipo de mudança até que se concretize a visita do presidente Mahmoud Ahmadinejad ao Brasil, já anunciada, mas com data ainda em aberto.
Lula, aliás, perdeu uma boa oportunidade de ficar calado ao ser um dos raros governantes democráticos a avalizar o resultado eleitoral sem pensar duas vezes.
Com isso, expôs-se a uma situação constrangedora ao ser recebido no início do mês pelo presidente francês Nicolas Sarkozy: em entrevista coletiva, Lula repetiu a defesa que fez do resultado eleitoral iraniano, apenas para ser imediatamente contraditado pelo colega francês, que disse que o próprio "povo iraniano havia contestado os resultados, em manifestações com centenas de milhares de pessoas".
Tudo somado, Lula terá que pisar em ovos no encontro com Ahmadinejad. Calar-se sobre o programa nuclear iraniano e, ao mesmo tempo, endossar a contestada eleição do colega passaria aos parceiros do mundo desenvolvido uma imagem de pusilanimidade, o que não favorece a pretensão brasileira de exercer crescente influência no jogo político global.
Por isso, o mais lógico é que Lula repita o que disse seu chanceler Celso Amorim anteontem: o Brasil é signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear e "gostaria que todos os países fizessem o mesmo".
Não contraria ninguém. Nem entusiasma.


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