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ANÁLISE
Visita de iraniano é complicada para Lula
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
É absoluta, a ponto de impressionar, a simetria de posições entre o chanceler ultralinha-dura de Israel, Avigdor Liberman, e Barack Obama, o
mais "soft" presidente que os
Estados Unidos tiveram desde
Jimmy Carter (1977-81). Coincidência no ponto específico
das relações Brasil-Irã.
Basta conferir frases de ambas as partes. Anteontem, em
Brasília, Liberman disse que "o
Brasil, mais que qualquer outro
país" pode ajudar a pôr fim ao
programa nuclear iraniano.
No dia 9 passado, em Áquila
(Itália), Obama disse a seu colega Luiz Inácio Lula da Silva que
"por causa da força e profundidade das relações comerciais
[Brasil-Irã], o Brasil pode ter
um impacto ao reiterar que o
governo iraniano tem responsabilidades com a comunidade
internacional no que se refere
ao programa nuclear", conforme o relato da conversa entre
os dois presidentes feito depois
por Robert Gibbs, porta-voz da
Casa Branca.
A coincidência significa, na
prática, o seguinte: desprezar a
sugestão de Liberman é relativamente fácil porque se trata
de um personagem ultracontrovertido e ministro de um
país que não é prioritário para a
diplomacia brasileira.
Mas se o fizer, o presidente
Lula estará desprezando também um palpite de Obama, com
o qual o governante brasileiro
está tão encantado que sua diplomacia procura tirar do caminho do norte-americano todas as minas que aqui e ali aparecem, ao menos no cenário latino-americano.
É claro que convém uma pitada de ceticismo a respeito da
real capacidade de o Brasil influir sobre o Irã. As relações comerciais podem ser crescentes
mas estão de longe de ter, para
um lado e outro, a mesma importância dos negócios Brasil-EUA ou Brasil-China, para ficar
em apenas dois exemplos.
Além disso, regimes autoritários e ainda por cima de base religiosa, como o do Irã, têm
imensa dificuldade em aceitar
qualquer palpite externo, sempre visto como ingerência em
negócios internos.
Sem mencionar o racha entre
os aiatolás que ficou cristalino
em consequência do processo
eleitoral e cujos desdobramentos podem provocar algum tipo
de mudança até que se concretize a visita do presidente Mahmoud Ahmadinejad ao Brasil,
já anunciada, mas com data
ainda em aberto.
Lula, aliás, perdeu uma boa
oportunidade de ficar calado ao
ser um dos raros governantes
democráticos a avalizar o resultado eleitoral sem pensar duas
vezes.
Com isso, expôs-se a uma situação constrangedora ao ser
recebido no início do mês pelo
presidente francês Nicolas Sarkozy: em entrevista coletiva,
Lula repetiu a defesa que fez do
resultado eleitoral iraniano,
apenas para ser imediatamente
contraditado pelo colega francês, que disse que o próprio
"povo iraniano havia contestado os resultados, em manifestações com centenas de milhares
de pessoas".
Tudo somado, Lula terá que
pisar em ovos no encontro com
Ahmadinejad. Calar-se sobre o
programa nuclear iraniano e,
ao mesmo tempo, endossar a
contestada eleição do colega
passaria aos parceiros do mundo desenvolvido uma imagem
de pusilanimidade, o que não
favorece a pretensão brasileira
de exercer crescente influência
no jogo político global.
Por isso, o mais lógico é que
Lula repita o que disse seu
chanceler Celso Amorim anteontem: o Brasil é signatário
do Tratado de Não Proliferação
Nuclear e "gostaria que todos
os países fizessem o mesmo".
Não contraria ninguém. Nem
entusiasma.
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