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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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ARTIGO

Princípios de Vieira de Mello não podem ser sacrificados

IRENE KHAN

O assassinato brutal de Sérgio Vieira de Mello, representante especial do secretário-geral da ONU no Iraque, é mais uma prova de que as pessoas que servem à humanidade e defendem os direitos humanos constituem alvos fáceis num mundo no qual a segurança nacional passou à frente da segurança humana.
Como representante especial da ONU no Iraque, ele era símbolo do compromisso da comunidade internacional com esse país. Na condição de alto comissário de Direitos Humanos da ONU, Sérgio era a maior autoridade mundial em direitos humanos. Este é um momento de profunda dor para todos aqueles que se preocupam com o Iraque e com os direitos humanos.
Choro a morte de Sérgio como amigo e como líder internacional. Ele era um dínamo, um homem que assumia riscos e era dotado de grande encanto pessoal. Era um homem de ação e de convicção, que exalava tudo que é positivo e apaixonado na vida. Mas sua morte significa muito mais do que a perda de um homem bom.
A população do Iraque que acredita na justiça e na paz se encontra sob ataque. A comunidade internacional se encontra sob ataque. Os direitos humanos estão sob ataque.
A morte de Sérgio colocou em risco os direitos humanos fundamentais da população iraquiana. Ela pôs em risco a capacidade da comunidade internacional de se posicionar ao lado da população iraquiana em sua luta pelos direitos humanos.
Sérgio acreditava que a participação de todos os iraquianos era a pedra fundamental sobre a qual o Iraque deveria ser erguido. Ele defendia a causa dos direitos humanos dos iraquianos perante aqueles que não queriam ouvir.
Para que a morte de Sérgio tenha algum sentido, é preciso que o Iraque se torne uma obra de construção dos direitos humanos. É preciso que o país não se transforme num deserto.
A verdade e a justiça para a população iraquiana eram as metas de Sérgio. Os princípios que lhe foram tão caros em vida não podem ser sacrificados agora. Os responsáveis por sua morte precisam ser detidos e levados à Justiça, mas sua morte não pode tornar-se pretexto para uma caça às bruxas, nem conduzir a amplos abusos dos direitos humanos. Não pode haver prisões arbitrárias ou uso de força excessiva.
Existem aqueles que verão essa tragédia como prova de que Sérgio estava equivocado em sua abordagem ao Iraque, baseada no respeito pelos direitos humanos e a participação da população iraquiana.
Mas a Anistia Internacional e outros ativistas dos direitos humanos sabemos que é apenas colocando os direitos humanos no cerne da segurança que será possível pôr fim a essa violência insensata. Era nisso que Sérgio acreditava. Foi para isso que ele e seus colegas trabalharam e morreram.
A morte do alto comissário de Direitos Humanos da ONU constitui um ataque ultrajante contra os defensores dos direitos humanos em todo o mundo. Não a deixaremos passar em branco. Nossa dor vem apenas fortalecer nossa determinação em agir. Mataram Sérgio Viera de Mello, mas jamais poderão matar seu legado.


Irene Khan é secretária-geral da Anistia Internacional

Tradução de Clara Allain


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