São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 2006

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opinião

Proposta é vitória de moderados

ABBAS MALEKI
KAVEH L. AFRASIABI

Depois de adiar por meses sua resposta ao pacote de incentivos oferecido pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança mais a Alemanha (P5+1), o Irã enviou uma resposta detalhada que coloca a bola do jogo diplomático de volta no campo do P5+1.
Ao mesmo tempo em que rejeita a exigência de suspensão imediata de suas atividades de enriquecimento de urânio, a resposta do Irã deixa aberta a porta para negociações sérias e, possivelmente, uma solução do impasse nuclear que seja aceitável para todas as partes.
Ao concordar em colocar sobre a mesa a questão da suspensão das atividades de enriquecimento e em iniciar as conversações imediatamente, o Irã enviou um sinal forte de que o debate interno entre os diferentes centros de poder da liderança iraniana terminou em favor das vozes moderadas, buscando uma solução mutuamente satisfatória do impasse nuclear com o Ocidente. Será uma pena se Washington desprezar esta oportunidade de uma negociação justa, especialmente quando se consideram os detalhes da resposta iraniana.
O Irã buscou esclarecimentos sobre uma série de questões, incluindo as seguintes:
1) O pacote de incentivos menciona que os direitos do Irã sob os termos do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) serão respeitados, mas os artigos do TNP mencionados são os 1 e 2, relativos à não-proliferação, e não o artigo 4, relativo ao "direito inalienável" dos países de adquirir tecnologia nuclear.
2) O Irã quer garantias de cumprimento das propostas de assistência nuclear, tais como a venda de reatores de água leve e fornecimento seguro de combustível nuclear.
3) O Irã quer esclarecimentos sobre a situação das sanções dos EUA que, no momento, impedem a concretização dessas ofertas de assistência: os EUA estão dispostos a levantar algumas sanções ou mesmo todas?
4) A promessa de um acordo de cooperação entre o Irã e a Euratom (Comunidade Européia de Energia Atômica) precisa ser detalhada.
5) A referência breve à segurança e a menção que o pacote de incentivos faz à participação do Irã em um esquema de "segurança regional" precisam ser esclarecidas.
6) O cronograma de concretização dos incentivos precisa ser especificado, inclusive os incentivos econômicos e comerciais. Ademais, a resposta do Irã indica que o país está disposto a voltar a adotar o Protocolo Adicional da Agência Internacional de Energia Atômica [que prevê inspeções-surpresa] e a incorporá-lo à sua legislação, como parte de um acordo final.
Está claro, em vista da relação estreita entre a questão nuclear e a identidade política iraniana, que ninguém deve se surpreender pelo fato de os líderes iranianos terem optado por não cometer suicídio político, suspendendo sob pressão o ciclo de combustível nuclear. Mas, longe de rejeitar essa exigência, a resposta iraniana deixa clara sua viabilidade, especialmente se seus direitos abstratos, conforme o previsto no artigo 4 do TNP, forem explicitamente reconhecidos pelo P5+1.
Diante de um público interno sensível aos seus direitos, Teerã vai considerar a possibilidade de suspender o ciclo de combustível nuclear se e quando se sentir honrada em uma questão de princípio, de uma maneira que crie soluções propícias à idéia da suspensão.
Agora o Conselho de Segurança da ONU tem um papel único a desempenhar, para inviabilizar ou catalisar a oportunidade aberta pela resposta do Irã -para colocar o gênio da crise nuclear iraniano de volta na garrafa.
Kofi Annan já está diretamente envolvido em negociações com Teerã e resolver a disputa nuclear pode acabar sendo um dos legados duradouros do secretário-geral da ONU em final de mandato. Se os EUA optarem por ignorar esta oportunidade e propor a adoção de sanções da ONU contra o Irã, será preparado o palco para uma crise internacional de grandes dimensões.


ABBAS MALEKI é diretor do Instituto Internacional de Estudos Cáspios, em Teerã, e atualmente pesquisador sênior na Escola Kennedy de Governo da Universidade Harvard

KEVAH AFRASIABI é cientista político e autor de "Iran's Nuclear Program: Debating Facts vs. Fiction"

Tradução de Clara Allain


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