São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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Argentina admira Brasil, mas não o Mercosul

Pesquisa encomendada pelo governo Lula revela visão positiva de vizinhos a respeito da economia e "organização" do país

Argentinos vêem bloco do Cone Sul com desconfiança; para 62% deles, brasileiros lucrarão mais com aliança; na cultura, música é o elo

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Se o assunto é futebol, argentinos e brasileiros comportam-se como inimigos irreconciliáveis. Mas quando o tema é a relação formal entre os dois países, os vizinhos ao sul do rio da Prata têm uma visão muito mais positiva e generosa.
Para 62% dos argentinos, a relação entre Brasil e Argentina deve ser a de "sócios" (33%), "amigos" (19%) ou de "irmãos" (10%). Esses são alguns dos percentuais da uma pesquisa realizada pela consultoria Graciela Römer & Associados.
O governo brasileiro contratou o levantamento, que ficou pronto em maio, mas permanecia inédito para o público até agora. Foram ouvidas 848 pessoas, e a margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.
Para quem se fia apenas nos estereótipos de antipatia mútua, a pesquisa é uma grande surpresa. A visão dos argentinos é amplamente favorável ao Brasil, talvez pelo fato de as economias dos dois países estarem hoje em situações opostas.
Para 59% dos argentinos, a economia brasileira está bem ou muito bem. Há dez anos, só 15% responderam dessa forma.
Hoje os argentinos também parecem muito mais bem informados sobre o outro lado da fronteira. Em 1998, quando indagados sobre economia brasileira, 38% não sabiam opinar. Hoje, são só 14%.
A Espanha aparece como o país preferencial para o estreitamento de relações (29%), mas o Brasil vem logo atrás (24%), bem à frente dos EUA (12%). O interesse pela cultura brasileira é preponderante quando o assunto é música (37%). Telenovelas vêm em segundo lugar, com 10%. Já a literatura do Brasil interessa só a 6% dos argentinos.

Bagunça
A pesquisa teve grupos de análise qualitativa, com entrevistas. Os brasileiros são descritos como estando no meio do caminho entre os chilenos ("que respeitam muito a lei") e os argentinos ("desorganizados" e "que pensam em si próprios"). Outra conclusão: o Brasil é um país organizado, embora não seja necessariamente uma sociedade organizada. Os chilenos o são nos dois sentidos. Os argentinos, em "nenhum deles".
O levantamento captou a histórica percepção de que existem "dois Brasis", um desenvolvido e rico e outro atrasado e pobre. Não por acaso, os maiores problemas apontados pelos argentinos são a pobreza (45%) e a violência (23%).
Há dez anos, as mesmas respostas encabeçavam a lista, mas a pobreza era apontada por 64% dos entrevistados. A violência ficou no mesmo patamar. E surgiu outro vilão, o narcotráfico, antes ignorado como problema do Brasil pelos vizinhos e agora citado por 18%.
A pesquisa desmonta um senso comum no Brasil: a idéia de que brasileiros na Argentina entendem mais espanhol do que os argentinos compreendem português. Segundo o levantamento, a percepção dos vizinhos é o oposto.
Eis uma frase captada em um grupo de discussão e usada no relatório para sintetizar o sentimento argentino: "Eu estava pensando no nacionalismo dos brasileiros. Quando eles vêm, nós nos esforçamos para aprender sua língua. Quando vamos lá, eles não fazem isso".
Essa percepção foi interpretada na pesquisa como sendo uma atitude de certa arrogância por parte dos brasileiros e "um sinal de que a Argentina é irrelevante para o Brasil".
No campo lingüístico, 90% dos argentinos acreditam que o idioma mais relevante para ser aprendido é o inglês. Só 5% citam o português.
O levantamento foi concluído antes do fracasso da Rodada Doha, cujo objetivo era liberalizar o comércio no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio). No final das negociações, a delegação brasileira abandonou uma posição de solidariedade total com alguns países, incluindo a Argentina, para apoiar uma saída negociada com nações ricas.
Mesmo sem captar a má reação argentina ao desfecho da Rodada Doha -a mídia portenha classificou o Brasil como traidor-, a pesquisa aponta uma desconfiança crescente dos vizinhos em relação aos benefícios do Mercosul.
Há dez anos, 40% dos argentinos acreditavam que o maior beneficiário do pacto dos países do Cone Sul seria o Brasil. Hoje, o percentual subiu ainda mais para expressivos 62%. Só 4,5% acreditam que a Argentina será a que mais vai lucrar com a aliança.


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