São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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Rico também emigra, até mais do que os pobres

Escolarizados se mudam para mais longe e por mais tempo

DO ENVIADO A SANTANDER

O que complica a discussão sobre migrações é o fato de que se trata de um fenômeno multifacetado. Não são só pobres que emigram, nem a emigração se dá sempre de um país pobre para um país rico.
"O migrante deixou de ser o pobre que vinha a nossos países ganhar a vida", admite Manuel Pombo Bravo, o representante da Espanha na OIM (Organização Internacional para as Migrações). Acrescenta: "Há três ou quatro vezes mais migrantes sul-sul do que sul-norte".
Contas apresentadas por Rafael Rodríguez, o coordenador do seminário "Globalização, Migração Internacional e Desenvolvimento", em Santander, mostram que, dos migrantes que vivem nos países da OCDE (os 30 mais industrializados do mundo), só 0,5% vieram de países de renda baixa.
"Quase a metade dos migrantes asiáticos e latino-americanos têm educação terciária", completa Rodríguez.
Reforça Robert Skeldon, professor da Escola de Estudos Sociais e Culturais da Universidade britânica de Sussex: "México e Filipinas, países comparativamente pobres, têm 10% de suas populações na condição de migrantes, mas o Reino Unido [rico], tem 9,5% de sua população vivendo no exterior".
Skeldon diz que os pobres também emigram, como é evidente, "mas o fazem para mais perto e por menos tempo".

Custos
Jorge Quiroga, ex-presidente da Bolívia, explica o porquê: viajar de Cochabamba à Argentina custa ao boliviano o equivalente a US$ 38. Já viajar para os Estados Unidos, sai por US$ 740. Completa: "À Europa, vem gente que pode vender casa ou carro para custear a viagem".
Manuel Pombo joga no debate um dado que combina com a tese de que não são apenas os "pobrezinhos" que emigram: na Espanha, que passou de emissora de migrantes a importadora, as quatro comunidades maiores são, pela ordem, a romena, a marroquina, a equatoriana e a britânica -portanto, dois países muito pobres, um riquíssimo e um quarto que não é nem uma coisa nem a outra, mas agora faz parte da União Européia, o que facilita muito o trânsito de seus nacionais no continente.
Tanto facilita que há 700 mil romenos vivendo na Espanha e 900 mil na Itália, pelas contas do ex-premiê Petre Roman.
A complexidade do fenômeno fica ainda mais clara quando se fala de Equador: embora tenha expulsado tanta gente que forma a terceira maior comunidade estrangeira na Espanha, abriga também imigrantes: há 300 mil colombianos vivendo no Equador, em geral expulsos pela violência na Colômbia, um dos fatores que levam à fuga.
É também um dos fatores que dificultam ou impedem a volta: "O migrante que volta se torna alvo das quadrilhas, porque ganhou fora dinheiro suficiente para se tornar muito visível" na comparação com os demais membros de sua comunidade de origem, diz Ninna Nyberg Sorensen, chefe do programa de apoio à Democracia e aos Direitos Humanos na América Central, conduzido pelo governo dinamarquês.
Mas, às vezes, a violência é provocada pela própria migração. O ex-presidente Quiroga conta o caso de uma família de Santa Cruz de la Sierra: a mulher, enfermeira, migrou em busca de trabalho, esperando logo levar o resto da família (marido e três filhos). Conseguiu o emprego, mas conseguiu também um novo companheiro. Quando o marido original soube, matou os dois filhos mais jovens e se suicidou, deixando o filho mais velho para contar a tragédia à mãe.
(CLÓVIS ROSSI)


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