São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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BARACK OBAMA

ELE QUER COMANDAR MUDANÇA DE GERAÇÃO

Cerebral, democrata promete ruptura com era conservadora, mas se ampara em tradição

Sérgio Dávila, de Chicago

O clima no quartel- general da campanha de Barack Obama, em Chicago, é de contagem regressiva. Literalmente: o visitante é recebido por uma placa com um número mudado todos os dias que avisava, no domingo passado, que faltavam 80 dias para as eleições de 4 de novembro. Dentro, cerca de 200 pessoas trabalham num ambiente de 300 metros quadrados. São jovens entre 20 anos e 30 anos, que se sentam à frente de laptops, ouvem iPods e chamam o candidato pelo primeiro nome.
Aliás, ensinam que a pronúncia "cool" é "B'ráck", com bê mudo, não bráck, nem baraque. Espalham-se em baias que formam quatro grandes seções. A maior é a que lida com a imprensa. Dentro dela, a mais importante é a do "time de resposta rápida", pessoas que, tão logo o candidato é atacado pela campanha de John McCain, disparam e-mails com os pontos principais dos argumentos que as pessoas ligadas ao democrata repetirão ao longo do dia.
A segunda maior é a que cuida de políticas do candidato e de eleitorado. Há os arrecadadores. Há ainda a equipe do on-line, responsável por uma presença no mundo virtual de tal eficiência que, dizem analistas, vem recriando a maneira como a política é feita nos EUA. Não existem salas fechadas.
Obama aparece pouco -diz que lugar de candidato é na rua. Quando tem de se reunir com o centro nervoso da campanha, não mais do que cinco pessoas, entre eles raposas velhas de Chicago, escolhe o escritório de seu estrategista, David Axelrod, a 20 quadras dali e inacessível ao resto dos mortais.
Essa divisão da campanha, que prega a ruptura para consumo público, mas é fortemente calcada na tradição política em seu cerne, de certa maneira resume a candidatura do senador democrata de 47 anos. Ele chegou até aqui baseado numa plataforma cujo ponto central são as palavras "mudança" e "esperança", embaladas por um pacote moderno, que atrai os eleitores mais jovens e de maior instrução.
Isso casa com o clima atual que muitos identificam como um desejo de "troca de guarda" de uma geração política. "Os americanos estão prontos para mudar", disse à Folha Samantha Power, até março consultora de política externa da campanha do candidato. "Em Obama, eles vêem alguém idealista em princípios, mas também sofisticado, esperto e com chances reais de vitória."
Atrai esse público, além da proposta de mudança, a biografia "pós-racial" do político. Filho de uma americana branca do Meio-Oeste e de um queniano negro criado na tradição muçulmana, ele nasceu no Havaí, passou a infância na Indonésia, se formou em direito em Harvard, batizou-se numa igreja cristã e começou a carreira política como organizador comunitário em Chicago. Em encontro fechado com políticos democratas no final do mês passado, após voltar da viagem à Europa e ao Oriente Médio, o próprio candidato daria sua definição: "Está se tornando claro que minha viagem, esta campanha -as multidões, o entusiasmo, 200 mil pessoas em Berlim- não falam de jeito nenhum só sobre mim. Falam dos EUA. Eu me tornei apenas um símbolo".
É o que pensa Power, professora de Harvard: "É uma combinação do repúdio à associação entre George W. Bush e John McCain com a força dos próprios atributos de Obama, o fato de que nunca vimos ninguém como ele nesta geração".
S e é verdade, as urnas responderão em novembro, mas o fato é que, para chegar até aqui, Obama usou e usa sem restrição os métodos políticos mais tradicionais, os mesmos que condena em discursos.
Nesse sentido, sua passagem por Chicago é reveladora. O então candidato ao Senado estadual de Illinois entrou na cena local num momento em que a reconfiguração urbana e uma série de novas leis mudavam a prática política dos EUA.
As campanhas, até então fortemente baseadas em organização e militância paga, começaram a dar lugar às baseadas em aparições na mídia e em doações, que por sua vez lubrificariam a máquina de publicidade.
(Hoje, a candidatura de Obama é conhecida por ter aperfeiçoado as duas práticas, modernizando a primeira ao trocar militância paga por jovens voluntários, sem descartar a segunda, ao se basear na mídia e em doações pulverizadas.)
Mas manobras políticas antigas e pouco nobres não passavam ao largo dele, como disse à Folha David Freddoso. O analista conservador é autor de uma das biografias recém-lançadas sobre o candidato, "The Case Against Barack Obama". "Ele usou uma tecnicalidade para desqualificar todos os seus concorrentes na primeira eleição de sua vida", disse.
Entre esses estava a pessoa que o introduziu na política local, a veterana Alice Palmer, hoje com 69 anos. Os dois não se falam desde então.
Em 2000, depois de perder a segunda reeleição -os mandatos do Senado estadual de Illinois são de dois anos-, Obama, com a ajuda de um aliado no Partido Democrata local, redesenhou seu distrito de maneira a incluir os votos de Hyde Park, onde mora, mas também a pobre Bronzeville, onde começou organizando comunidades, e a rica Gold Coast, onde viviam seus maiores doadores.
"Esse mesmo Obama diz que mudará a maneira como Washington faz política", diz Freddoso. "Ele não é um reformista, como Ronald Reagan foi. Ele é apenas mais um político liberal (de esquerda, nos EUA)."
De fato, embora tenha levado seu discurso para o centro após derrotar Hillary Clinton nas primárias, Obama defende uma plataforma de centro-esquerda. Prevê, no campo doméstico, redistribuição de renda via taxação, maior presença do Estado em setores como saúde e educação e uma política energética que usa impostos das petrolíferas para investir em energia alternativa.
No campo externo, propõe iniciar a retirada imediata das tropas americanas do Iraque e, mais amplamente, trocar a retórica belicosa dos primeiros anos de Bush pelo engajamento de aliados como a Europa, inimigos como o Irã e competidores como a China.
Para Samantha Power, "os americanos e as pessoas dos outros países estão prontas para ter esperança de novo". Para David Freddoso, os americanos não votam em candidatos de esquerda e não votarão em Obama "quando se informarem sobrem quem ele é".


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