São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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RITUAL POLÍTICO

As convenções eram espontâneas

Artigo Michael Barone*

Tiffany Brown/ "The New York Times"
Broches da atual campanha e de ciclos passados à venda nos EUA


A Convenção Nacio-nal do Partido Democrata começa amanhã em Denver, Colorado, e durará quatro dias. Uma semana depois, a Convenção Nacional do Partido Republicano, também de quatro dias, será aberta em St. Paul, Minnesota. As convenções vão adotar plataformas que ninguém vai ler (eu mesmo nunca li uma na íntegra) e vão indicar Barack Obama e John McCain como candidatos presidenciais.
As TVs a cabo vão cobrir as convenções, sem transmitir os procedimentos na íntegra. A TV aberta apresentará uma hora de cobertura por noite. Os maiores eventos serão o discurso de Obama ao aceitar a candidatura, em um estádio de futebol americano, e o discurso de McCain, no ambiente mais modesto de uma arena de hóquei. Tudo isso é sabido há meses.
Então por que os partidos americanos realizam essas reuniões gigantescas e caríssimas? As respostas têm raízes na história. As convenções políticas nos EUA são uma instituição antiga. Em dezembro de 1831, cerca de 168 delegados de 18 Estados que se opunham ao presidente democrata Andrew Jackson se reuniram e escolheram para candidato Henry Clair. Foi a primeira Convenção Nacional do Partido Whig [antecessor do Republicano].
Em maio de 1832, os partidários de Jackson promoveram a primeira Convenção Nacional Democrata, que o indicou para o segundo mandato.
As convenções nacionais eram encontros de políticos dos partidos nos Estados, muitos dos quais tinham pouco em comum e não sabiam muito uns sobre os outros. Devido ao estado primitivo dos transportes e das comunicações da época, parecia necessário reunir delegados dos Estados para acordarem uma chapa à Presidência e Vice-Presidência.
Não era fácil. Os democratas, sempre divididos entre os sulistas rurais (e, até os anos 1860, escravocratas) e os nordestinos urbanos, exigiam uma maioria de dois terços para indicar um candidato a presidente; apenas em 1936 essa exigência mudou para maioria simples.
Durante mais de um século, as convenções nacionais foram encontros animados que incluíam discursos acalorados, manifestações ruidosas, galerias gritando palavras de ordem e reuniões em salas enfumaçadas em que políticos selavam acordos e mudavam seus votos.
Em muitos casos, também foram encontros cujo desfecho ninguém sabia prever de antemão. Os candidatos concorriam com o apoio de seus próprios Estados, na esperança de serem escolhidos inesperadamente ou de mudarem seus votos para o vencedor final em algum momento propício. A convenção que se tornou legendária foi a democrata de 1924, realizada no antigo (hoje demolido) Madison Square Garden, em Nova York. Uma resolução condenando o Ku Klux Klan, que combatia os negros e os católicos, foi rejeitada por um voto. Na 103ª votação, John W. Davis foi indicado. Ele acabou com a menor porcentagem de votos populares de qualquer candidato da história.
Ainda na década de 50, tratar de questões de negócios ou política em telefonemas interurbanos era algo fora do comum. Os políticos esperavam até descer do trem na cidade da convenção para poder falar pessoalmente com seus interlocutores. Antes de ser feita a primeira chamada, ninguém sabia quantos votos de delegados os candidatos teriam.
Não deve ser coincidência o fato de a última convenção em que foram feitas várias votações -a Convenção Nacional Democrata de julho de 1952- ter sido realizada mais ou menos à mesma época que o primeiro telefonema interurbano por ligação direta (novembro de 1951) e poucos anos antes da inauguração dos vôos comerciais em aviões a jato nos EUA (outubro de 1958).
A telefonia de longa distância possibilitava que a mídia contasse os delegados que votariam em cada candidato. A primeira contagem de delegados foi feita por Martin Plissner para a CBS em 1964, e as contagens de delegados feitas pelas redes de TV mostraram ser corretas na apertada disputa republicana entre Gerald Ford e Ronald Reagan, em 1976. As viagens em aviões a jato possibilitaram a políticos e jornalistas atravessar o país rotineiramente e conversar pessoalmente.
Por que, então, os partidos políticos americanos continuam a promover convenções nacionais? Uma das razões é de natureza técnica: na condição de entidades legais, as convenções são os partidos. Elas tomam, ou delegam a outros organismos o poder de tomar, as decisões sobre regras partidárias que vão vigorar até a convenção seguinte. A outra razão, mais importante, é que os dois partidos, Republicano e Democrata, usam as convenções como programas de TV que lhes podem valer votos.
Nem sempre isso deu certo: a violenta convenção nacional de 1968 prejudicou o Partido Democrata, como também o fez a amargura da convenção nacional de 1980 na qual o derrotado Edward Kennedy tentou evitar o cumprimento de vitória do presidente Jimmy Carter, postulado à reeleição. George W. Bush conseguiu um bom aumento em seus votos devido à coreografada convenção nacional republicana de 2004.
Neste ano, os democratas esperam suscitar um sentimento de entusiasmo e otimismo com o discurso de aceitação de Barack Obama a ser proferido em um estádio com 72 mil lugares (John Kennedy, em 1960, e Franklin Roosevelt, em 1936, também fizeram seus discursos de aceitação da candidatura em estádios). E, com um pouco mais de nervosismo, também esperam que Hillary Clinton e seu marido, o ex-presidente Bill Clinton, discursando em noites diferentes, sanem as feridas das primárias.
Os republicanos esperam que sua própria convenção lustre a reputação maculada de seu partido, apesar dos discursos obrigatórios do presidente e vice-presidente em exercício. E esperam conseguir definir John McCain como líder de peso e que inspira confiança.
Quanto a nós, jornalistas e especialistas em política, adoramos as convenções nacionais -as festas, todos aqueles políticos disponíveis para entrevistas, todos os rumores e fofocas constantes. E isso -o apreço da mídia pelas convenções- talvez seja, afinal, a razão mais importante da sobrevivência dessa instituição antiga que já não cumpre nada que se assemelhe à função original.

*Comentarista sênior da "U.S. News & World Report", pesquisador-residente do American Enterprise Institute e co-autor do "Almanac of American Politics", entre outros. Barone escreveu este artigo para a Folha


Tradução de CLARA ALLAIN


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