São Paulo, segunda-feira, 24 de agosto de 2009

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Informalidade rege economia afegã

Máfias dominam principais setores em sistema que mescla regulações da era comunista com livre-mercado

Vendedores de dinheiro em todas as esquinas garantem liquidez à população; para economista, pobreza ultrapassa os 50% oficiais

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL AO AFEGANISTÃO E AO PAQUISTÃO

Narco-Estado. País falido. Economia tomada por máfias. Dependente de ajuda externa. Todos os lugares-comuns ouvidos sobre o estágio de desenvolvimento econômico do Afeganistão não são só clichês. Há um pouco de verdade em tudo.
Para entender a economia afegã, é preciso ir ao mercado de câmbio de Shahdar e ao bazar de Shor, logo ao lado, às margens do pântano fétido e cheio de cabras famélicas que já foi o rio Cabul.
Se em 2001 a cotação do câmbio era determinada pelos negócios ao vivo no mercado, hoje ela é regulada pelo Da Afghanistan Bank. Houve depreciação: de 48 afeganis por dólar em 2008, hoje a cotação flutua entre 50 e 51.
Mas é em Shahdar que o dinheiro da economia rola, e os vendedores de dinheiro que estão em todas as esquinas são abastecidos. Cabul é um lugar curioso: você pode morrer num atentado, mas ninguém incomoda jovens com maços de até 30 mil dólares nas mãos.
São eles que dão liquidez à economia, trocando moeda com os comerciantes de locais como o bazar de Shor. Lá é possível comprar de tudo, de baterias de carro a US$ 5 a uma águia da montanha cruelmente amarrotada em uma caixa por US$ 80, passando por cabeças de bode e fígados de ovelha coberto de moscas. É onde o afegão médio faz suas compras, além do comércio de rua.
"Essa miséria toda é resultado de anos em que as máfias ligadas ao governo tomaram conta da economia. Testas-de-ferro de americanos e europeus privatizaram metade das 176 estatais que tínhamos, e agora tudo que não dá lucro está sendo fechado", diz o professor de economia Sayed Massoud, da Universidade de Cabul.
A mistura de sistema regulatório da época que o país era comunista com o livre-mercado selvagem parece não dar certo. "Com a entrada dos produtos chineses, 2.500 fábricas de sapatos fecharam e 15 mil trabalhadores foram para a rua. O mercado livre não é para todos", diz o economista.
Com poucos números disponíveis do sistema oficial de informações, Massoud afirma que o sistema bancário afegão é apenas para uma minoria rica. "O resto é a informalidade. O governo fala que o desemprego é de 40%, o que é alto. Eu digo: passa dos 75%. A linha de pobreza cobre 90% da população, não os 50% que dizem."

Máfias
Segundo Massoud, 90% dos afegãos ficam com 10% do bolo do ínfimo PIB de US$ 32 bilhões anuais -sem contar os US$ 5 bilhões gerados pelo tráfico de ópio e heroína, a mola real da economia do país. A equação se inverte, com 90% do dinheiro na mão de 10%.
"O pior é que tivemos quase US$ 35 bilhões de ajuda externa desde 2002. Onde está o dinheiro? Com eles, que são mafiosos e amigos dos mafiosos."
São essas pessoas que fazem de Cabul uma cidade de alguns contrastes. No meio da pobreza extrema, utilitários japoneses e coreanos novos em folha.
Um shopping acaba de abrir na cidade, o Golfakhar, com cinco dos oito andares funcionando. Nele, lojas vendem principalmente joias -um colar de supostas turquesas sai por US$ 50, uma fortuna para os padrões locais.
Se não há risco de uma bolha imobiliária destruir o que sobrou do Afeganistão, há alguma vida no setor além dos bunkers para ocidentais na capital. Um empreendimento chamado Arya City oferta apartamentos de dois dormitórios "de alto luxo", diz a placa, por US$ 35 mil.
Já a chamada Cidade de Prata cobra US$ 80 mil por um apartamento de quase 200 metros quadrados num condomínio fechado na zona sul de Cabul. Parece uma espécie de parque temático, com conveniências e até uma mesquita colorida dentro do complexo.
"Eu gostaria de saber quem pode comprar isso. Um funcionário do governo de nível médio ganha US$ 150 por mês. Um deputado, dez vezes isso. Não dá. Só pensando em máfias ligadas ao dinheiro de setores da economia e do narcotráfico é que é possível achar um comprador", diz Massoud.
Para a Unama, a representação da ONU local, o desenvolvimento ainda depende da estabilização política e da segurança. "Queremos os afegãos andando com as próprias pernas", diz o chefe da missão, Kai Eide. Uma volta por Cabul mostra que o caminho será longo.


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