|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Informalidade rege economia afegã
Máfias dominam principais setores em sistema que mescla regulações da era comunista com livre-mercado
Vendedores de dinheiro em todas as esquinas garantem liquidez à população; para economista, pobreza ultrapassa os 50% oficiais
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL AO AFEGANISTÃO E
AO PAQUISTÃO
Narco-Estado. País falido.
Economia tomada por máfias.
Dependente de ajuda externa.
Todos os lugares-comuns ouvidos sobre o estágio de desenvolvimento econômico do Afeganistão não são só clichês. Há
um pouco de verdade em tudo.
Para entender a economia
afegã, é preciso ir ao mercado
de câmbio de Shahdar e ao bazar de Shor, logo ao lado, às
margens do pântano fétido e
cheio de cabras famélicas que já
foi o rio Cabul.
Se em 2001 a cotação do câmbio era determinada pelos negócios ao vivo no mercado, hoje
ela é regulada pelo Da Afghanistan Bank. Houve depreciação: de 48 afeganis por dólar em
2008, hoje a cotação flutua entre 50 e 51.
Mas é em Shahdar que o dinheiro da economia rola, e os
vendedores de dinheiro que estão em todas as esquinas são
abastecidos. Cabul é um lugar
curioso: você pode morrer num
atentado, mas ninguém incomoda jovens com maços de até
30 mil dólares nas mãos.
São eles que dão liquidez à
economia, trocando moeda
com os comerciantes de locais
como o bazar de Shor. Lá é possível comprar de tudo, de baterias de carro a US$ 5 a uma
águia da montanha cruelmente
amarrotada em uma caixa por
US$ 80, passando por cabeças
de bode e fígados de ovelha coberto de moscas. É onde o afegão médio faz suas compras,
além do comércio de rua.
"Essa miséria toda é resultado de anos em que as máfias ligadas ao governo tomaram
conta da economia. Testas-de-ferro de americanos e europeus
privatizaram metade das 176
estatais que tínhamos, e agora
tudo que não dá lucro está sendo fechado", diz o professor de
economia Sayed Massoud, da
Universidade de Cabul.
A mistura de sistema regulatório da época que o país era comunista com o livre-mercado
selvagem parece não dar certo.
"Com a entrada dos produtos
chineses, 2.500 fábricas de sapatos fecharam e 15 mil trabalhadores foram para a rua. O
mercado livre não é para todos", diz o economista.
Com poucos números disponíveis do sistema oficial de informações, Massoud afirma
que o sistema bancário afegão é
apenas para uma minoria rica.
"O resto é a informalidade. O
governo fala que o desemprego
é de 40%, o que é alto. Eu digo:
passa dos 75%. A linha de pobreza cobre 90% da população,
não os 50% que dizem."
Máfias
Segundo Massoud, 90% dos
afegãos ficam com 10% do bolo
do ínfimo PIB de US$ 32 bilhões anuais -sem contar os
US$ 5 bilhões gerados pelo tráfico de ópio e heroína, a mola
real da economia do país. A
equação se inverte, com 90%
do dinheiro na mão de 10%.
"O pior é que tivemos quase
US$ 35 bilhões de ajuda externa desde 2002. Onde está o dinheiro? Com eles, que são mafiosos e amigos dos mafiosos."
São essas pessoas que fazem
de Cabul uma cidade de alguns
contrastes. No meio da pobreza
extrema, utilitários japoneses e
coreanos novos em folha.
Um shopping acaba de abrir
na cidade, o Golfakhar, com
cinco dos oito andares funcionando. Nele, lojas vendem
principalmente joias -um colar de supostas turquesas sai
por US$ 50, uma fortuna para
os padrões locais.
Se não há risco de uma bolha
imobiliária destruir o que sobrou do Afeganistão, há alguma
vida no setor além dos bunkers
para ocidentais na capital. Um
empreendimento chamado Arya City oferta apartamentos de
dois dormitórios "de alto luxo",
diz a placa, por US$ 35 mil.
Já a chamada Cidade de Prata cobra US$ 80 mil por um
apartamento de quase 200 metros quadrados num condomínio fechado na zona sul de Cabul. Parece uma espécie de parque temático, com conveniências e até uma mesquita colorida dentro do complexo.
"Eu gostaria de saber quem
pode comprar isso. Um funcionário do governo de nível médio ganha US$ 150 por mês. Um
deputado, dez vezes isso. Não
dá. Só pensando em máfias ligadas ao dinheiro de setores da
economia e do narcotráfico é
que é possível achar um comprador", diz Massoud.
Para a Unama, a representação da ONU local, o desenvolvimento ainda depende da estabilização política e da segurança. "Queremos os afegãos andando com as próprias pernas",
diz o chefe da missão, Kai Eide.
Uma volta por Cabul mostra
que o caminho será longo.
Texto Anterior: Fraudes podem comprometer pleito afegão Próximo Texto: Paquistão enfrenta nó na infraestrutura Índice
|