São Paulo, domingo, 24 de setembro de 2000

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VIZINHO EM CRISE
País considera que a permanência de Fujimori no poder aumenta chances de tentativas de golpe e crises
Brasil lidera pressão por eleição antecipada

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em contato direto com o governo dos Estados Unidos, o Brasil lidera a pressão dos países da América do Sul para que o presidente do Peru, Alberto Fujimori, não espere até março do ano que vem para convocar eleições e até julho para entregar o poder ao sucessor.
EUA, Brasil e os demais países da América do Sul acham que, quanto mais tempo Fujimori empurrar as eleições com a barriga e se mantiver na Presidência, maiores serão as chances de crises e de tentativas de golpes.
Eles não estão convencidos do argumento de Fujimori de que as eleições só poderão ocorrer em março, com posse em 28 de julho, porque esse é o tempo mínimo para incluir na Constituição a possibilidade de eleições no meio do mandato. Acham que o cronograma precisa ser encurtado e que Fujimori deve sair antes.
O presidente Fernando Henrique Cardoso só telefonou diretamente para Fujimori na quinta-feira passada, mas tem conversado com os demais presidentes sul-americanos. Seu interlocutor mais assíduo é o presidente do Chile, Ricardo Lagos. Os contatos com os EUA e com líderes políticos peruanos têm sido principalmente via Itamaraty.
Na avaliação dos países vizinhos, Fujimori não tem mais condições de governabilidade, mas dá sinais de que, na verdade, estaria usando o anúncio de novas eleições para ganhar tempo, testar forças e tentar manter o controle do processo político peruano.
No Itamaraty, por exemplo, ninguém acreditou numa pesquisa (do instituto CIP) apontando que Fujimori mantém um apoio de 59,1% da opinião pública. Considera-se a hipótese de um resultado manipulado, para tentar fortalecer artificialmente o presidente, garantindo alguma sobrevida à sua permanência na Presidência.
A leitura do comunicado do Comando Conjunto das Forças Armadas do Peru, divulgado na quinta-feira em Lima, também foi um pouco diferente da que circulou dentro e fora do Peru.
Na versão interna, tratou-se de um apoio a Fujimori. No Brasil, foi recebido não exatamente como aprovação a Fujimori, mas à sua decisão de abandonar o poder e desmantelar o SIN (Serviço de Inteligência Nacional).
Além disso, registrou-se no Planalto e no Itamaraty que os militares não usaram o termo "apoio" e sim "acatamento". Ou seja: deixaram claro que não lhes cabe apoiar ou não, mas cumprir ordens e acatar decisões superiores.
Uma semana depois de Fujimori anunciar publicamente sua disposição de convocar eleições e não concorrer, o governo brasileiro julga que a pior fase da crise já passou, mas o clima ainda é de instabilidade, "inspira cuidados".
O pior momento foi na quarta-feira passada, quando -pelas informações que chegaram ao Planalto- houve efetivamente uma ameaça de golpe militar liderado pelo ex-homem forte do regime, Vladimiro Montesinos, chefe informal do SIN.
Montesinos foi o pivô da crise, depois da divulgação de um vídeo em que supostamente tenta subornar um parlamentar da oposição. E continuou no centro da cena, ao sumir e tentar articular nos bastidores um golpe para tomar o poder de Fujimori e interromper o processo de novas eleições.
O Brasil foi decisivo para neutralizar a pressão dos EUA e da OEA (Organização dos Estados Americanos) para punir o Peru por denúncias de ilegalidades nas eleições que deram o terceiro mandato a Fujimori.
Hoje, depois da reviravolta interna, a avaliação brasileira é que há um "processo de acomodação" no Peru. Apesar de todos os sobressaltos e da recente fragilidade, Fujimori acumula dez anos na Presidência e ainda mantém apoios importantes, sobretudo na opinião pública.
A transição, portanto, passa por ele. O que EUA, Brasil e os demais países não querem é que acabe nele, de novo.


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