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Início da integração à UE fermenta tensão na Hungria
Aumento de preços e instabilidade irritam a população, mas ainda há expectativa de futuro melhor dentro do bloco
Com reformas empacadas e herança socialista, cobra-se por tudo -de sachê de catchup a fatia de pão- e ainda se espera ação estatal
PAULO REBÊLO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE BUDAPESTE
Domingo, 13h. Restaurantes
de culinária internacional estão lotados de turistas em quase toda a extensão da Andrássy
Ut, a avenida mais famosa, cara
e cosmopolita da capital húngara. Não à toa, ela é apelidada pelos estrangeiros de "Champs-Élysées de Budapeste".
Em pares ou pequenos grupos, indiferentes às violentas
manifestações ocorridas em
Budapeste na última semana,
os turistas não vêem o tempo
passar nesse parte da cidade de
arquitetura neo-renascentista,
que reúne numa única quadra
restaurantes italiano e chinês,
salão de beleza, banco, livraria,
agência de viagens e museu.
Na metade dos 2,5 km da Andrássy, um observador desavisado pode se perguntar se continua no mesmo país. No cruzamento do Oktogon, entre a Andrássy Ut e a Teréz Korút, há
um tumulto numa das várias filiais do Burger King na cidade.
O que de longe parecia mais
um protesto não passava de um
lugar lotado, com uma longa fila no caixa e várias pessoas comendo em pé. Uma mulher de
meia idade reclama com o marido, em espanhol, que aquela
comida não é saudável e que comer fast-food em Budapeste é
um pecado. Resignado, ele diz
que ali "é mais barato e rápido".
Na hora de pagar, os dois se
surpreendem quando pedem
catchup ao caixa: custa 60 florins. No concorrente McDonald's, custa 100. Geralmente,
100 florins equivalem a R$ 1.
Do sachê de catchup ao potinho de manteiga no bufê, passando por uma fatia de pão extra no couvert, tudo é contado e
cobrado nos menores detalhes.
São algumas das heranças de
um socialismo não muito distante no país (caiu em 1989),
que, entre as nações do Leste
Europeu, é um dos que mais
sente o choque de capitalismo
acelerado dos últimos anos. Isso se agravou a partir de 2004,
quando a Hungria ingressou na
União Européia sob a promessa de promover, com urgência,
reformas socioeconômicas,
contenção dos gastos públicos
e equilíbrio orçamentário.
Aumento de impostos
Dentro do Burger King, do
McDonald's e da Pizza Hut, o
casal de mexicanos citado acima é uma exceção. O comum é
esses lugares estarem repletos
de húngaros, para surpresa dos
turistas que adoram a comida
local. "De que adianta a nossa
comida ser ótima se a gente não
pode pagar?", pergunta o estudante Oliver Jurszik. "Se quiser
comer na rua, os únicos lugares
que não aumentaram tanto os
preços são essas lanchonetes e,
claro, os restaurantes chineses,
onde a gente nunca sabe o que
está comendo."
Ele não é voz isolada. Mas, ao
mesmo tempo, não é consenso
que a entrada para a União Européia é a única responsável pela subida de preços. Antes do
aumento de 30% nos impostos,
anunciado pelo governo neste
mês, os dois últimos anos foram significativos em inflação,
para húngaros e turistas, que
achavam que ainda encontrariam em Budapeste o paraíso
de preços baixos.
"Antes mesmo da UE, as pessoas já sabiam que isso ocorreria. O problema é que há uma
distância grande entre as mentalidades. As mudanças para
uma economia de mercado estão sendo mais rápidas do que
boa parte da população consegue acompanhar", avalia a professora de inglês Ildiko Csipo.
"O dinheiro está circulando,
é assim que funciona. Mais impostos, produtos mais caros, os
jovens hoje têm mais oportunidades de crescer profissionalmente, mas as gerações anteriores ficaram para trás", lamenta Ildiko, que não vê a hora
de terminar a pós-graduação e
sair do país.
"As coisas mudam de uma
hora para outra, impostos sobem e descem do nada, preços
sobem sem critério. Ninguém
consegue se planejar", diz.
A herança do socialismo na
Hungria não se limita às cobranças por catchup e potinhos
de manteiga. "Há gerações inteiras que ainda esperam receber do Estado alimentação, sistema de saúde, educação e aposentadorias, tudo de graça", relata o embaixador brasileiro,
José Augusto Lindgren Alves.
Para o futuro, porém, ele é
otimista. "Com as reformas, a
Hungria pode ser uma nação
significativa mundialmente.
Não será um poder, mas pode
ficar em posição confortável na
Europa", estima.
De modo geral, as mudanças
e a escalada de preços na Hungria são similares às de outros
países que aderiram à UE. Contudo, com as declarações do
primeiro-ministro Ferenc
Gyurcsany de que o governo
maquiou os números da economia para que ele fosse reeleito e
de que nenhuma das reformas
foi realmente feita, a situação
política hoje é delicada.
"Apesar das boas expectativas, as principais reformas estruturais na Hungria vão levar
talvez 15, 20 anos para produzir
os frutos de estar na UE", diz o
engenheiro de tecnologia
Krisztián Katona.
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