São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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Tortura em Abu Ghraib marca guerra

DE NOVA YORK

Se a primeira Guerra do Golfo ficou lembrada pelas cenas ao vivo de bombardeios noturnos, a Guerra do Iraque será lembrada pelas câmeras fotográficas digitais e o circo de horrores que elas registraram na prisão de Abu Ghraib, na periferia de Bagdá.
As imagens captadas no fim do ano passado por um grupo de guardas vigiando suspeitos de pertencer à insurgência iraquiana ou ao regime de Saddam Hussein vieram à tona entre abril e maio. Foram exaustivamente exibidas pela imprensa, chocaram o mundo e tornaram-se a prova inconteste do pior escândalo envolvendo militares americanos em mais de três décadas.
Mais grave do que isso, as cenas de iraquianos nus empilhados, acuados por cachorros ou humilhados sexualmente, e de recrutas sorrindo diante de prisioneiros feridos ou mortos, entre outras, levaram muitos a questionar se a guerra ao terror do presidente George W. Bush permitiu que tortura e outros abusos se tornassem práticas institucionalizadas.
Afinal, casos semelhantes -ainda que nenhum documentado de modo tão chocante- emergiram em outras prisões americanas para "combatentes inimigos". A designação americana para estrangeiros suspeitos de terrorismo, presos sem direito a defesa, exime os EUA de aplicarem as Convenções de Genebra, legislação internacional sobre direitos dos prisioneiros de guerra.
Neste mês, 28 soldados foram indiciados pela prática de maus-tratos contra prisioneiros no Afeganistão. Depoimento de diversas pessoas que trabalharam na prisão americana em Guantánamo (Cuba) citados pelo jornal "The New York Times" indicam que medidas rígidas de coerção -inclusive violência física e psicológica- são aplicadas rotineiramente na base militar para os capturados na guerra ao terror.
A posição do Pentágono é de que se trata de casos isolados, que estão sendo punidos.
Encarregado de investigar o que ocorreu dentro da prisão, o general Antonio Taguba apresentou um relatório em março no qual revelou cenas escabrosas passadas em Abu Ghraib. Nesse documento, ele sugere que as práticas eram sistemáticas, incentivadas por oficiais e membros da CIA (agência de informações americana) e haviam começado nas prisões mantidas pelos EUA no Afeganistão. O dossiê não foi escrito para divulgação pública, mas acabou revelado em maio na revista "The New Yorker".
As investigações pararam no baixo escalão, e até agora, apenas sete militares foram indiciados. A patente mais alta entre eles é a de sargento. Juízes militares vetaram pedidos dos advogados de defesa para interrogar o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld.
Apenas o recruta Jeremy Sivits, que denunciou colegas em troca de sofrer acusações mais brandas, foi julgado. Foi condenado a um ano de reclusão e expulso do Exército. As cortes marciais para os demais envolvidos começaram nesta semana. Para o recruta especialista Charles Graner, contra quem pesam as acusações mais graves, a pena pode chegar a 24 anos de prisão. Ele teria espancado um iraquiano até a perda da consciência e seria responsável pela pilha de detentos nus. (LC)

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