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Budapeste vira praça de guerra nos 50 anos da revolta
Polícia reprime protesto com bala de borracha; manifestantes jogam explosivos
Oposição conservadora boicota atos oficiais e insiste na renúncia do premiê socialista, que mentiu
sobre as contas públicas
PAULO REBÊLO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BUDAPESTE
A Hungria parou. Deveria ter
sido um dia de festa e reflexão
nas comemorações da Revolução de 1956, a revolta democrática e anti-soviética que ontem
completou 50 anos. Mas, em
vez de festa, os húngaros viveram um cenário de violência
sem precedentes desde o dia
em que a rebelião foi reprimida
pelos tanques russos, duas semanas depois de começar.
Jovens enfurecidos, policiais
sem controle, bombas caseiras,
gás lacrimogênio, balas de borracha atiradas a esmo, idosos
desmaiados, crianças correndo
desesperadas, adultos sangrando, dezenas de feridos. As ruas
no centro de Budapeste viraram praça de guerra, sem distinção entre manifestantes pacíficos ou extremistas.
Logo cedo, um incidente na
Praça do Parlamento envolvendo manifestantes que acampam no local desde meados de
setembro, quando começaram
os protestos contra o governo
do primeiro-ministro Ferenc
Gyurcsany, foi minimizado pela polícia. Durante o resto da
manhã, famílias inteiras saíram
de casa segurando a bandeira
da Hungria, em protestos pacíficas contra o premiê do Partido Socialista (ex-comunista),
que admitiu ter mentido para a
população e para a União Européia sobre as contas públicas.
Reeleito em abril, Gyurcsany
aumentou impostos e cortou
gastos para adaptar o orçamento do país às exigências da UE.
No começo da tarde, grupos
extremistas, ligados à oposição
ultranacionalista, começaram
a radicalizar em lugares-chave
de Budapeste, atirando pedras
e pedaços de metal contra policiais. Tanques que haviam sido
postos nas ruas para lembrar a
invasão da cidade pelos soviéticos foram tomados pelos manifestantes e lançados contra os
policiais. Helicópteros e esquadrões de elite entraram em cena e a situação desandou.
Enquanto o governo iniciava
uma série de eventos formais e
fechados ao público em geral, o
direitista Fidesz, principal partido da oposição, que boicotou
as celebrações oficiais, fechou
uma das principais avenidas de
Budapeste. Líder do partido, o
ex-premiê Viktor Órban discursava para dezenas de milhares de pessoas, em uma clara simulação dos eventos de 1956.
Órban afirmou à multidão
que o governo era "ilegítimo" e
pediu um referendo sobre o
programa de reformas econômicas implementado por
Gyurcsany e aprovado pela UE.
"A confusão atual é causada por
um homem, que levou o país a
uma crise política e moral ao
enganar o povo", disse.
Ataque à polícia
Ali perto, as agressões contra
policiais aumentaram e a resposta veio com o batalhão de
choque avançando para cima
de todos sem distinção. Bombas caseiras e coquetéis molotov começaram a ser usados pelos manifestantes. De noite,
muita gente ainda procurava
abrigo para fugir do gás lacrimogênio e das balas de borracha da polícia. Grupos de cinco
a seis policiais se formavam, fechavam o cerco a algum manifestante e o espancavam, diante de cinegrafistas e fotógrafos.
Algumas das principais estações de metrô foram fechadas;
ônibus não podiam circular
porque as avenidas estavam
bloqueadas. Até a madrugada
de hoje, manifestantes permaneciam em partes do centro.
Em discurso nas comemorações oficiais, o premiê Gyurcsany, que lidera uma coalizão
dos socialistas com os Democratas Livres (liberais), respondeu à crítica de que não tem legitimidade para liderar os festejos citando um dos heróis da
Revolução de 1956, o comunista reformista Imre Nagy, dizendo que ele "foi o modelo para
todos que governaram" a Hungria após a queda do comunismo, em 1989.
Nagy, premiê na época da revolta, tentou declarar a neutralidade húngara frente a soviéticos e americanos, mas acabou
deposto e foi executado em
1958 -ele foi um dos 341 húngaros condenados à morte na
época, ao lado dos cerca de
2.700 mortos e 22 mil presos.
Em 1956 os húngaros não tinham opção a não ser se rebelarem, disse Gyurcsany, enquanto hoje a Hungria é um país democrático. "Apesar do descontentamento muitas vezes justificado, a maioria dos húngaros
acredita que a democracia parlamentar é o modelo mais indicado para expressar a vontade
popular", afirmou.
Do outro lado, a oposição
mostrava imagens de veteranos
de 1956 que deram as costas e
não cumprimentaram o premiê
durante uma entrega de prêmios e medalhas, ocorrida domingo. Nem Gyurcsany, 45,
nem o opositor Órban, 43,
eram nascidos em 1956.
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