São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 2008

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SUCESSÃO NOS EUA / RETA FINAL

McCain promove "anti-socialismo"

Republicano faz de seus comícios odes a Joe, o encanador, e similares, e os usa para acusar Obama de "redistribuidor de renda"

Platéia, candidato e sua vice demonizam opositor, que lidera pesquisas; McCain aumenta tom populista e se diz defensor da classe média

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A CINCINNATI (OHIO)

Na reta final das eleições presidenciais norte-americanas, os comícios de John McCain escalam a retórica populista, marcada principalmente pela ode a diversos "Joes", membros da classe média que serão supostamente prejudicados em caso da vitória do democrata Barack Obama. A retórica republicana alimenta e é alimentada por cartazes e manifestações populares cada vez mais fortes contra o oponente.
O senador de 72 anos, segundo colocado na disputa, e sua candidata a vice, Sarah Palin, 44, ampliaram o conceito de Joe, o encanador, para outras profissões, vendendo os novos personagens aos seus eleitores como "gente como a gente", pessoas que, dizem os candidatos, serão vítimas do plano econômico em gestação pelo líder nas pesquisas eleitorais.
Na ofensiva que McCain e Palin têm feito nos últimos dias em Estados indecisos, principalmente Ohio, Pensilvânia e Virgínia, a governadora do Alasca chama Obama de "socialista". A base da "acusação" é a resposta que o democrata deu ao trabalhador Samuel "Joe" Wurzelbacher, ou simplesmente Joe, o encanador, em que defende a redistribuição de riqueza via impostos.

Público inflamado
A resposta positiva do público, pelo menos nos comícios, inflama cada vez mais os republicanos -e provoca uma inflação de epítetos. No comício realizado num hangar em Cincinatti, Ohio, na noite de anteontem, Sarah Palin saudou "Pam, a professora republicana", que estava na platéia, e disse que no caminho tinha encontrado "Phil, o pedreiro", e "Angela, a enfermeira".
Citou ainda "Tito, o construtor", o imigrante colombiano Tito Muñoz, que reclamou recentemente que Joe, o encanador, havia sido investigado pela mídia, que descobriu que ele não era encanador, perdeu o prazo para se registrar para votar e deve US$ 11 mil ao Fisco.
"No governo de "Obama, o redistribuidor de renda", quem faz perguntas inconvenientes será investigado", bradava Palin, aplaudida pelos cerca de 2.000 presentes, que gritavam "socialista!" e "No-bama!" e erguiam cartazes negativos sobre o democrata. Um deles trazia a frase "Say no to B.O." (diga não a B.O.) e o desenho de um desodorante. Em inglês, são iniciais de "body odor", cheiro do corpo, o equivalente ao brasileiro cê-cê.
Outro dizia "Socialismo é uma droga - Obama - Não agora nem jamais". Outro ainda pregava a trindade "Guns, God & Guts - Keep America Free" (armas, Deus e coragem mantêm os EUA livres). Mas os mais freqüentes aludiam a Joe, o encanador. "Sou pobre, mas estou com Joe", comunicava um.
Na porta, Ruthayn Hill vendia camisetas com a frase "Eu estou com Joe, o encanador -Não quero riqueza redistribuída". "Obama é socialista, não precisamos disso nos EUA", disse à Folha a vendedora, que reclamava que "o pessoal dele" -o governo do Estado é democrata- havia negado permissão para ela armar sua barraca.
A campanha de McCain captou o espírito cedo e vem martelando o conceito de que o democrata é o inimigo da classe média. "Ele quer, abre aspas, "redistribuir a riqueza'", disse John McCain, depois de ser apresentado por Palin, no comício de Cincinnati. "Quero espalhar as oportunidades. Obama quer decidir para quem vai cada fatia do bolo, e eu quero ver o bolo crescer para todos."
Horas depois do comício de anteontem, os republicanos colocaram no ar dois anúncios. No da internet, intitulado "Eu Sou Joe", são compilados vídeos submetidos por vários eleitores, que se identificam com o encanador e reclamam do aumento de imposto generalizado que a campanha de McCain diz que acontecerá sob Obama. No de rádio, o governador da Flórida, Charlie Crist, reforça os pontos contra a tal redistribuição de renda.
A demonização do democrata, que abre vantagem sobre o oponente a cada pesquisa nacional e nos Estados-chave, é aplicada não só a membros de sua campanha e partido, mas aos que o apóiam, num jogo que alguns analistas consideram perigoso. Em Cincinnati, Palin disse que via "verdadeiros patriotas" na platéia, "gente que ama os EUA de verdade".
Antes, na Carolina do Norte, na semana passada, a governadora do Alasca havia elogiado o que chamou de regiões "pró-América" dos EUA, sugerindo que quem está contra a chapa do partido governista está contra o país. Abriu uma comporta que não pára de dar frutos.
No fim de semana, no mesmo Estado, o congressista Robin Hayes apresentou a dupla republicana dizendo que "os progressistas odeiam americanos de verdade que trabalham, têm realizações, atingem metas e são tementes a Deus". À emissora MSNBC sua colega de partido, a congressista Michele Bachmann, de Minnesota, sugeriu que a mídia passasse a investigar o Congresso para descobrir quem é "pró-América e quem é anti-América".
Os patriotas do comício de Cincinnati se deixavam levar. "Ele é um internacionalista", disse à Folha o mineiro aposentado Bill Johnson, que segurava um cartaz escrito "Caribou Barbie". A frase junta o nome em inglês da espécie de rena comum no Alasca com a boneca e é um dos apelidos dados à governadora pelo fã-clube masculino cada vez mais presente e ruidoso nesses eventos.
Ao seu lado, Cynthia Mason, assistente social, concordava com o marido. "Obama se preocupa muito com a imagem que o mundo faz dos EUA, e nós precisamos de alguém que se preocupe com o país primeiro, não com os outros." Perto dali, Suzanne Lunsford, professora de sociologia da universidade estadual Wright, dizia que tinha uma revelação a fazer.
Deu ao repórter xerox de um texto do tablóide "National Enquirer", que relata diversos rumores cercando o democrata. "Os jornalistas da grande imprensa daqui não podem publicar a denúncia, pois serão mortos", resumiu. "Como você é do Brasil, não corre o risco." Sua denúncia: "Obama é comunista, terrorista e gay".


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