São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002

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AMÉRICA LATINA

O esquerdista Lucio Gutiérrez, que liderou golpe em 2000, tem ampla vantagem na disputa presidencial hoje

Populista é favorito na eleição do Equador

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

O Equador deve eleger hoje à Presidência do país o coronel Lucio Gutiérrez, populista de esquerda que ganhou notoriedade ao liderar o golpe de Estado que derrubou o presidente Jamil Mahuad em janeiro de 2000. Segundo as últimas pesquisas, Gutiérrez tem uma vantagem folgada sobre seu adversário de hoje no segundo turno da eleição presidencial, o empresário Álvaro Noboa, o homem mais rico do país.
Uma pesquisa do instituto Informe Confidencial, divulgada anteontem, dava 53% das intenções de voto para Gutiérrez, contra 25% para Noboa. Em outra pesquisa, do instituto Cedatos/ Gallup, que considera somente os votos válidos, Gutiérrez tinha 60%, contra 40% de Noboa. "Noboa pode reduzir um pouco mais a diferença, mas é praticamente certa a vitória de Gutiérrez", disse à Folha o analista Políbio Córdoba, diretor do Cedatos/Gallup.
Na última semana da campanha, a diferença entre os dois havia caído mais de dez pontos, em grande parte como consequência da campanha agressiva adotada por Noboa. "Gutiérrez foi obrigado a adotar uma postura defensiva diante de Noboa, que tomou a iniciativa neste segundo turno", disse o cientista político Simón Pachano, da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), de Quito.
A denúncia de maior impacto foi relativa a uma suposta agressão de Gutiérrez à sua mulher, no ano passado, divulgada pela propaganda televisiva de Noboa. A propaganda mostrava um boletim de ocorrência supostamente registrado pela mulher de Gutiérrez e perguntava se os eleitores votariam em um homem violento para a Presidência. A acusação acabou desmentida por um advogado citado como representante da mulher de Gutiérrez, e o documento, cuja autenticidade nunca foi comprovada, sumiu da delegacia onde teria sido registrado.
"Depois de escolherem dois candidatos que pregavam renovação, é paradoxal que os equatorianos tenham acompanhado uma campanha eleitoral marcada pelo retorno das antigas práticas de ataques pessoais, que prevaleceram sobre outros meios de informar o eleitor", afirma o cientista político César Montúfar, diretor da organização Participação Cidadã, montada para fazer um acompanhamento da eleição.
Nos últimos dias da campanha, Noboa voltou a investir pesado contra Gutiérrez, comparando-o, em sua propaganda, ao presidente Hugo Chávez, da Venezuela. Os spots mostravam cenas de distúrbios e quebra-quebras nas ruas de Caracas e diziam que os equatorianos deveriam aprender com "os erros alheios" e não votar em um "comunista".
A propaganda levou o embaixador venezuelano em Quito, Carlos Santiago, a protestar formalmente ao governo equatoriano.
O próprio Noboa, porém, também se viu às voltas com acusações, algumas das quais já o haviam perseguido no primeiro turno. Na quinta-feira, um tribunal de Londres deu a ele ganho de causa em um processo movido por duas de suas irmãs, que o acusavam de se apropriar, por meio de fraude, da herança do pai, Luis Noboa, morto em 1994.
O empresário também voltou a ser acusado de utilizar trabalho infantil em suas fazendas de plantação de banana. A revelação havia sido feita meses antes da eleição por uma reportagem do jornal "The New York Times". Noboa negou a acusação e apresentou na propaganda depoimentos de funcionários de suas empresas, que se diziam felizes com o tratamento dado pelo patrão.
Com as acusações mútuas monopolizando o debate, foram deixados de lado na campanha temas importantes para o futuro do país, como a manutenção da dolarização da economia, adotada em 2000, o desemprego crescente e a intensa emigração.
Noboa, que, no primeiro turno, quando chegou a ter mais de 40% nas pesquisas, recusou todas as propostas de debate e praticamente todos os pedidos de entrevista, desafiou Gutiérrez a um debate na terça-feira. Por sua proposta, o debate seria transmitido pelo Canal 10 de Guayaquil (sua cidade natal), que o apóia, com a mediação do jornalista Carlos Larreategui, ex-ministro de Mahuad (derrubado por Gutiérrez) e permitiria a participação de assessores. Gutiérrez, por sua vez, queria um debate somente entre os dois, com a transmissão por um pool de emissoras e com a participação de vários jornalistas, de diferentes meios.
Sem um consenso para o debate, restou aos eleitores a tarefa de escolher entre "o agressor da mulher" e o "fazendeiro explorador de crianças".


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