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Clima ameaça aliado de Bush na Austrália
Seca de três anos aguça preocupação ambiental e pode encerrar governo do premiê John Howard, há 11 anos no poder
Líder conservador enfrenta diplomata 18 anos mais novo, que defende retirada do país do Iraque e adesão ao Protocolo de Kyoto
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL À AUSTRÁLIA
Hoje os australianos vão às
urnas decidir o destino do conservador John Howard, do Partido Liberal, no poder há 11
anos. O 25º primeiro-ministro
da Austrália, firme aliado da
"guerra ao terror" de George W.
Bush e mais longevo no cargo,
passa por sua terceira eleição
tendo a seu favor uma economia sólida, em que o desemprego é quase zero, a moeda local
valorizou até alcançar a paridade com o dólar e o PIB chega a
dois terços do brasileiro, para
uma população de quase um
décimo.
Apesar de polêmica e contestada, a participação da Austrália na Guerra do Iraque é das
menos traumáticas: nenhum
dos soldados do país morreu
em decorrência do conflito desde o seu início, em 2003. Há hoje mil australianos no front.
Howard, 68, disputa o pleito
com o trabalhista Kevin Rudd,
50, um diplomata de carreira
que passou por sua primeira
eleição em 1996 (perdeu) e foi
eleito para o Parlamento dois
anos depois. Mas, segundo pesquisas recentes, Rudd e seu
partido estão à frente de Howard entre oito e dez pontos
percentuais e devem conseguir
as 16 cadeiras que faltam para
chegar à chefia do governo.
É o ambiente
O que está errado nesse quadro? O ambiente.
"Mais de 75% dos australianos apontam o aquecimento
global como sua principal preocupação na hora de votar nestas eleições" disse à Folha
Martine Letts, vice-diretora do
Lowy Institute for International Policy, um dos principais
centros de pesquisa do país, em
Sydney. "Esse item está à frente mesmo do terrorismo e de
questões econômicas."
Pela primeira vez na história
recente, um conceito de interpretação tão sofisticada como o
aquecimento global será fator
determinante numa eleição
majoritária de um país rico.
A Austrália passa por uma
seca avassaladora há pelo menos três anos, o que assusta
muitos num país em que as
commodities são parte fundamental do equilíbrio econômico. Há cientistas que ligam a
mudança climática ao fato de o
país ser um dos maiores emissores de gás carbônico per capita do mundo. "O eleitor parece estar fazendo a ligação entre
os dois assuntos, seca e aquecimento global", acredita Letts.
A próxima ligação natural seria com Howard, um negacionista de primeira hora do fenômeno -ou "cético", como se
definiu. Foi sob sua liderança
que a Austrália virou um dos
dois únicos países do mundo a
não ratificar o Protocolo de
Kyoto para a redução de emissão de gases do efeito estufa-
ao lado dos EUA.
Nos últimos meses, de olho
nos números, o veterano político virou o que os analistas chamam um "agnóstico ambiental". "Nós faremos parte de
Kyoto", concedeu ele recentemente, "mas um novo Kyoto,
que leve em conta a necessidade de cada país". Talvez tenha
sido tarde demais.
Kevin Rudd fez sua campanha baseada em três pilares: o
principal é o clima e a ratificação de Kyoto. Os outros dois
são a retirada imediata dos australianos do Iraque e a renegociação da atual Lei Trabalhista,
acordo que foi a menina-dos-olhos do partido de Howard e
que, aprovado, mostrou-se
muito mais vantajoso aos patrões do que diziam os políticos. O novato promete ainda
continuar a gestão conservadora na economia.
Desgaste
Além do fator ambiental, há
quem aponte o efeito dos anos
da mesma turma no poder. "É
quase como se os australianos
estivessem dizendo: "Está tudo
bem, o país caminha muito
bem, podemos nos dar ao luxo
de mudar'", disse à Folha o vice-chanceler David Spencer.
Por fim, outro ponto de peso
é a ligação umbilical de Howard com George W. Bush.
Junto do britânico Tony Blair,
do italiano Silvio Berlusconi e
do espanhol José María Aznar,
todos já fora do poder, o australiano formava o principal quarteto de sustentação mundial da
aventura militar americana no
Iraque. Ficou sozinho.
Num momento em que os índices de antiamericanismo batem recordes mundiais e as políticas do presidente republicano são vistas como as principais responsáveis pelo sentimento, o australiano está sendo alvo de fogo colateral.
Mas para aquele que é considerado um dos principais teóricos conservadores do país,
Gerard Henderson, diretor-executivo do Sydney Institute,
o jogo ainda não acabou. "Historicamente, outras eleições
com esse cenário tiveram mudança de última hora", diz ele.
"Volte a me procurar quando
as urnas forem abertas."
O jornalista SÉRGIO DÁVILA viajou a convite da
Chancelaria australiana.
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