São Paulo, sábado, 24 de novembro de 2007

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Clima ameaça aliado de Bush na Austrália

Seca de três anos aguça preocupação ambiental e pode encerrar governo do premiê John Howard, há 11 anos no poder

Líder conservador enfrenta diplomata 18 anos mais novo, que defende retirada do país do Iraque e adesão ao Protocolo de Kyoto

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL À AUSTRÁLIA

Hoje os australianos vão às urnas decidir o destino do conservador John Howard, do Partido Liberal, no poder há 11 anos. O 25º primeiro-ministro da Austrália, firme aliado da "guerra ao terror" de George W. Bush e mais longevo no cargo, passa por sua terceira eleição tendo a seu favor uma economia sólida, em que o desemprego é quase zero, a moeda local valorizou até alcançar a paridade com o dólar e o PIB chega a dois terços do brasileiro, para uma população de quase um décimo.
Apesar de polêmica e contestada, a participação da Austrália na Guerra do Iraque é das menos traumáticas: nenhum dos soldados do país morreu em decorrência do conflito desde o seu início, em 2003. Há hoje mil australianos no front. Howard, 68, disputa o pleito com o trabalhista Kevin Rudd, 50, um diplomata de carreira que passou por sua primeira eleição em 1996 (perdeu) e foi eleito para o Parlamento dois anos depois. Mas, segundo pesquisas recentes, Rudd e seu partido estão à frente de Howard entre oito e dez pontos percentuais e devem conseguir as 16 cadeiras que faltam para chegar à chefia do governo.

É o ambiente
O que está errado nesse quadro? O ambiente. "Mais de 75% dos australianos apontam o aquecimento global como sua principal preocupação na hora de votar nestas eleições" disse à Folha Martine Letts, vice-diretora do Lowy Institute for International Policy, um dos principais centros de pesquisa do país, em Sydney. "Esse item está à frente mesmo do terrorismo e de questões econômicas."
Pela primeira vez na história recente, um conceito de interpretação tão sofisticada como o aquecimento global será fator determinante numa eleição majoritária de um país rico. A Austrália passa por uma seca avassaladora há pelo menos três anos, o que assusta muitos num país em que as commodities são parte fundamental do equilíbrio econômico. Há cientistas que ligam a mudança climática ao fato de o país ser um dos maiores emissores de gás carbônico per capita do mundo. "O eleitor parece estar fazendo a ligação entre os dois assuntos, seca e aquecimento global", acredita Letts.
A próxima ligação natural seria com Howard, um negacionista de primeira hora do fenômeno -ou "cético", como se definiu. Foi sob sua liderança que a Austrália virou um dos dois únicos países do mundo a não ratificar o Protocolo de Kyoto para a redução de emissão de gases do efeito estufa- ao lado dos EUA. Nos últimos meses, de olho nos números, o veterano político virou o que os analistas chamam um "agnóstico ambiental". "Nós faremos parte de Kyoto", concedeu ele recentemente, "mas um novo Kyoto, que leve em conta a necessidade de cada país". Talvez tenha sido tarde demais.
Kevin Rudd fez sua campanha baseada em três pilares: o principal é o clima e a ratificação de Kyoto. Os outros dois são a retirada imediata dos australianos do Iraque e a renegociação da atual Lei Trabalhista, acordo que foi a menina-dos-olhos do partido de Howard e que, aprovado, mostrou-se muito mais vantajoso aos patrões do que diziam os políticos. O novato promete ainda continuar a gestão conservadora na economia.

Desgaste
Além do fator ambiental, há quem aponte o efeito dos anos da mesma turma no poder. "É quase como se os australianos estivessem dizendo: "Está tudo bem, o país caminha muito bem, podemos nos dar ao luxo de mudar'", disse à Folha o vice-chanceler David Spencer. Por fim, outro ponto de peso é a ligação umbilical de Howard com George W. Bush.
Junto do britânico Tony Blair, do italiano Silvio Berlusconi e do espanhol José María Aznar, todos já fora do poder, o australiano formava o principal quarteto de sustentação mundial da aventura militar americana no Iraque. Ficou sozinho. Num momento em que os índices de antiamericanismo batem recordes mundiais e as políticas do presidente republicano são vistas como as principais responsáveis pelo sentimento, o australiano está sendo alvo de fogo colateral.
Mas para aquele que é considerado um dos principais teóricos conservadores do país, Gerard Henderson, diretor-executivo do Sydney Institute, o jogo ainda não acabou. "Historicamente, outras eleições com esse cenário tiveram mudança de última hora", diz ele. "Volte a me procurar quando as urnas forem abertas."


O jornalista SÉRGIO DÁVILA viajou a convite da Chancelaria australiana.


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