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ANÁLISE
Um sóbrio alinhamento com as potências
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia usar seu bordão preferido para dizer que
nunca antes na história do Brasil houve tamanho interesse internacional pela visita de um
mandatário estrangeiro como
acontece agora com o iraniano
Mahmoud Ahmadinejad. Foi
tema ontem de todos os jornais
que dão destaque a assuntos
globais, de modo geral repetindo o enfoque que a Folha usara
na véspera: um teste para a diplomacia do governo Lula.
Passou no teste? Sim, se o aspecto a analisar for apenas o do
reconhecimento a um novo peso do Brasil no jogo diplomático global. Com a ressalva de
que o interesse pela viagem de
Ahmadinejad teve a ver mais
com o fato de o Irã estar sendo
a bola da vez no noticiário internacional do que com o país
visitado.
A viagem do iraniano coincidiu com manobras militares de
seu país, de dimensões fora do
comum, em meio a uma crescente tensão com o G6 (EUA,
Alemanha, França, Reino Unido, China e Rússia) em torno
do programa nuclear iraniano.
O subtexto da tensão é este:
se o Irã rejeitar a proposta do
G6, que seus técnicos haviam
aceitado em princípio, Israel
vai sentir cócegas nos dedos
para atacar as instalações nucleares iranianas. O exercício
do Irã é uma maneira óbvia de
avisar que está preparado para
se defender e para retaliar.
Não por acaso, os especuladores puxaram para cima o
preço do ouro, alegando a tensão internacional.
A propósito, Joseph Cirincione, conselheiro da Comissão do Congresso dos EUA sobre Posições Estratégicas, diz
que um "ataque militar só aumenta a possibilidade de o Irã
desenvolver uma bomba nuclear", citando o secretário da
Defesa, Robert Gates, para
quem "não há opção militar
que faça mais que ganhar tempo". Tempo para o Irã eventualmente obter a bomba: de
um a três anos, pouco mais ou
menos, sempre segundo Gates.
"Grande bobagem"
À Folha Cirincione afirmou
que a visita foi "uma grande bobagem diplomática", sob dois
aspectos, o de política interna e
o da questão nuclear.
"Ahmadinejad irá usar as
imagens da visita como prova
de que o mundo o aceita como
o líder legítimo do Irã, o que
minará os oponentes democráticos do regime no Irã e encorajará a linha-dura iraniana a recusar um compromisso no tema nuclear."
É possível que Cirincione tenha razão, mas parece exagerada a versão de muitos meios de
comunicação de que se está à
beira de um confronto entre o
Brasil e os Estados Unidos por
causa do Irã.
Ajuda-memória: à saída do
encontro entre Lula e Barack
Obama, às margens da cúpula
do G8 da Itália, em julho, Robert Gibbs, porta-voz de Obama, disse à Folha que seu chefe
sugerira a Lula que usasse o peso das relações comerciais entre Brasil e Irã para tentar convencer Ahmadinejad a seguir o
exemplo brasileiro de uso exclusivamente pacífico da energia nuclear.
Ou seja, recomendou o que o
jargão diplomático batiza de
"engajamento" -aliás palavra-chave da diplomacia de Obama.
Caminho
Foi rigorosamente o que Lula
fez ontem, ao menos na sua
própria versão pública: ao reconhecer "o direito do Irã de desenvolver um programa nuclear com fins pacíficos", Lula
emendou cobrando "respeito
aos acordos internacionais" e
ainda acrescentando que "esse
é o caminho que o Brasil vem
trilhando".
Mais: encorajou Ahmadinejad "a continuar o engajamento
com países interessados de modo a encontrar uma solução
justa e equilibrada para a questão nuclear iraniana".
No cuidado extremo, às vezes
exagerado, que a diplomacia
brasileira tem com temas incendiários, é o máximo que se
poderia esperar como sugestão
para o Irã acertar-se com o G6,
cuja proposta, no essencial, foi
aceita pelos técnicos iranianos.
Trata-se de enviar urânio para
enriquecer na Rússia e na
França até o nível em que pode
ser usado para fins medicinais
e, depois, devolvido ao Irã.
Se essa proposta for aceita, "a
capacidade de o Irã produzir
uma bomba rapidamente seria
eliminada, pelo menos pelos
dois anos que leva para enriquecer mais urânio", escreve o
especialista Cirincione.
À falta de detalhes sobre as
conversas a portas fechadas,
parece uma atitude responsável do governo Lula na questão
nuclear, independentemente
do uso interno que dela faça
Ahmadinejad.
Quanto aos direitos humanos, tema central da crítica do
governador José Serra à visita
do presidente do Irã, seus argumentos são inatacáveis do ponto de vista ético e moral.
Mas a "realpolitik" que comanda a diplomacia global acaba prevalecendo sempre -de
que deu exemplo Barack Obama ao visitar a China, na semana passada, e calar-se sobre o
Tibete e demais violações aos
direitos civis praticados sistematicamente pela China, assim
como pelo Irã.
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