São Paulo, terça-feira, 24 de novembro de 2009

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ANÁLISE

Um sóbrio alinhamento com as potências

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia usar seu bordão preferido para dizer que nunca antes na história do Brasil houve tamanho interesse internacional pela visita de um mandatário estrangeiro como acontece agora com o iraniano Mahmoud Ahmadinejad. Foi tema ontem de todos os jornais que dão destaque a assuntos globais, de modo geral repetindo o enfoque que a Folha usara na véspera: um teste para a diplomacia do governo Lula.
Passou no teste? Sim, se o aspecto a analisar for apenas o do reconhecimento a um novo peso do Brasil no jogo diplomático global. Com a ressalva de que o interesse pela viagem de Ahmadinejad teve a ver mais com o fato de o Irã estar sendo a bola da vez no noticiário internacional do que com o país visitado.
A viagem do iraniano coincidiu com manobras militares de seu país, de dimensões fora do comum, em meio a uma crescente tensão com o G6 (EUA, Alemanha, França, Reino Unido, China e Rússia) em torno do programa nuclear iraniano.
O subtexto da tensão é este: se o Irã rejeitar a proposta do G6, que seus técnicos haviam aceitado em princípio, Israel vai sentir cócegas nos dedos para atacar as instalações nucleares iranianas. O exercício do Irã é uma maneira óbvia de avisar que está preparado para se defender e para retaliar.
Não por acaso, os especuladores puxaram para cima o preço do ouro, alegando a tensão internacional.
A propósito, Joseph Cirincione, conselheiro da Comissão do Congresso dos EUA sobre Posições Estratégicas, diz que um "ataque militar só aumenta a possibilidade de o Irã desenvolver uma bomba nuclear", citando o secretário da Defesa, Robert Gates, para quem "não há opção militar que faça mais que ganhar tempo". Tempo para o Irã eventualmente obter a bomba: de um a três anos, pouco mais ou menos, sempre segundo Gates.

"Grande bobagem"
À Folha Cirincione afirmou que a visita foi "uma grande bobagem diplomática", sob dois aspectos, o de política interna e o da questão nuclear.
"Ahmadinejad irá usar as imagens da visita como prova de que o mundo o aceita como o líder legítimo do Irã, o que minará os oponentes democráticos do regime no Irã e encorajará a linha-dura iraniana a recusar um compromisso no tema nuclear."
É possível que Cirincione tenha razão, mas parece exagerada a versão de muitos meios de comunicação de que se está à beira de um confronto entre o Brasil e os Estados Unidos por causa do Irã.
Ajuda-memória: à saída do encontro entre Lula e Barack Obama, às margens da cúpula do G8 da Itália, em julho, Robert Gibbs, porta-voz de Obama, disse à Folha que seu chefe sugerira a Lula que usasse o peso das relações comerciais entre Brasil e Irã para tentar convencer Ahmadinejad a seguir o exemplo brasileiro de uso exclusivamente pacífico da energia nuclear.
Ou seja, recomendou o que o jargão diplomático batiza de "engajamento" -aliás palavra-chave da diplomacia de Obama.

Caminho
Foi rigorosamente o que Lula fez ontem, ao menos na sua própria versão pública: ao reconhecer "o direito do Irã de desenvolver um programa nuclear com fins pacíficos", Lula emendou cobrando "respeito aos acordos internacionais" e ainda acrescentando que "esse é o caminho que o Brasil vem trilhando".
Mais: encorajou Ahmadinejad "a continuar o engajamento com países interessados de modo a encontrar uma solução justa e equilibrada para a questão nuclear iraniana".
No cuidado extremo, às vezes exagerado, que a diplomacia brasileira tem com temas incendiários, é o máximo que se poderia esperar como sugestão para o Irã acertar-se com o G6, cuja proposta, no essencial, foi aceita pelos técnicos iranianos. Trata-se de enviar urânio para enriquecer na Rússia e na França até o nível em que pode ser usado para fins medicinais e, depois, devolvido ao Irã.
Se essa proposta for aceita, "a capacidade de o Irã produzir uma bomba rapidamente seria eliminada, pelo menos pelos dois anos que leva para enriquecer mais urânio", escreve o especialista Cirincione.
À falta de detalhes sobre as conversas a portas fechadas, parece uma atitude responsável do governo Lula na questão nuclear, independentemente do uso interno que dela faça Ahmadinejad.
Quanto aos direitos humanos, tema central da crítica do governador José Serra à visita do presidente do Irã, seus argumentos são inatacáveis do ponto de vista ético e moral.
Mas a "realpolitik" que comanda a diplomacia global acaba prevalecendo sempre -de que deu exemplo Barack Obama ao visitar a China, na semana passada, e calar-se sobre o Tibete e demais violações aos direitos civis praticados sistematicamente pela China, assim como pelo Irã.


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