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ARTIGO
O auge da globalização já passou?
RAWI ABDELAL
ADAM SEGAL
DA "FOREIGN AFFAIRS"
Houve uma era em que a globalização parecia inexorável.
Governos aceitavam de braços
abertos os benefícios das mudanças tecnológicas e dos mercados internacionais.
Então, vieram as crises financeiras dos últimos 10 anos.
O déficit norte-americano em
conta corrente disparou, e o valor do dólar despencou. À medida que a terceirização de empregos para o exterior e a imigração cresciam, cidadãos dos
EUA, Europa e China passaram
a sentir insegurança cada vez
maior. Estudiosos começaram
a lançar alertas quanto ao possível colapso da globalização.
Mas será que isso vai acontecer? Ou a integração continuará em seu ritmo atual? A resposta, paradoxal, é que nenhuma das duas coisas virá a ocorrer. A revolução da alta tecnologia que propeliu a onda atual
de globalização deve continuar,
tornando as comunicações cada vez mais fáceis e baratas, e
permitindo que as grandes empresas espalhem suas operações por todo o planeta.
Ao mesmo tempo, parece seguro que outras barreiras devem surgir. As normas que
obrigam governos a manter
seus mercados abertos e implementar políticas liberalizantes
se debilitaram consideravelmente nos últimos anos, e o
processo deve continuar.
Os sinais de uma desaceleração na globalização são visíveis
há anos. Parte do problema é
que dois grandes propulsores
de integração, a Europa e os
EUA, sempre tiveram idéias diferentes sobre a maneira de
conduzir o processo. E nunca
harmonizaram suas diferenças.
A abordagem de Washington
sempre foi, e continua sendo,
casual, o que quer dizer que os
norte-americanos dependem
de seu poderio preponderante
para fechar acordos bilaterais
diretos com outros países.
As autoridades européias,
por sua vez, favorecem a criação de regras e o estímulo ao
avanço de organizações como a
União Européia, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a
Organização Mundial do Comércio (OMC).
Nos últimos anos, as restrições aos capitais cresceram em
todo o mundo. Outro recuo está
acontecendo no comércio de
bens e serviços. A OMC obteve
notável sucesso em se estabelecer como autoridade mundial
primária quanto a esse assunto.
Mas agora ela atingiu o zênite
de seus poderes, o que é lastimável, já que seus mecanismos
de imposição de regras, que dependem da autoridade governamental dos países, estão longe de perfeitos.
A crise na rodada Doha de
negociações de comércio internacional colocou em destaque
ainda outro ponto de divergência, cada vez mais profunda: a
que separa os países ricos e desenvolvidos dos pobres e em
desenvolvimento.
Insatisfação nos EUA
A tensão também cresceu no
que tange ao livre movimento
de mão-de-obra. O público europeu e dos EUA se tornou altamente cético quanto à capacidade de seus países para absorver novos imigrantes. Em todo
o mundo, a insatisfação popular com a distribuição desigual
dos benefícios da globalização
também vem crescendo. Esse
sentimento é mais perceptível,
ironicamente, nos dois países
- EUA e China - que mais se
beneficiaram da globalização.
Nos EUA que, graças ao seu
déficit em conta corrente, precisam de mais investimento externo do que nunca, o sentimento popular recentemente
forçou o governo de George W.
Bush a rejeitar duas transações
muito alardeadas que envolviam a CNOOC e a [empresa
árabe] Dubai Ports World.
O compromisso de Washington para com o livre movimento de produtos também começou a vacilar, e o Congresso está
ameaçando impor tarifas punitivas e cancelar sua autorização
ao presidente para que negocie
acordos comerciais pela via expressa.
Na China, o acesso estrangeiro aos setores bancário, de comunicação e imobiliário continua severamente limitado, e
funcionários do governo chinês
começaram a esquadrinhar
com mais atenção as propostas
de investimento internacional
em outros segmentos.
As bases institucionais cada
vez mais frágeis e o crescente
descontentamento com relação à globalização tornarão cada vez mais difícil para os políticos em todo o mundo propor
medidas de liberalização de
mercado. Mas esses políticos
precisam reconhecer que seus
países agora dependem dos
mercados para manter a saúde
econômica. Mantê-los livres
requererá duas coisas.
A primeira é que políticas
econômicas internas garantam
que os países se mantenham
competitivos e distribuam melhor os benefícios da globalização. Se os EUA abandonassem
sua maneira improvisada de ter
uma política caso a caso, e adotassem a estratégia que a Europa emprega, as instituições de
que todos os países dependem
sairiam reforçadas.
Segundo, os governos precisam trabalhar melhor o aspecto
de relações públicas da globalização. Os políticos precisam ser
muito mais convincentes ao explicar aos seus eleitores que os
custos de reverter a globalização superariam de longe os benefícios da proposta. O Wal-Mart e os produtos chineses
baratos que a cadeia de lojas
vende podem ter causado abalo
no mercado de varejo norte-americano. Mas será que os
norte-americanos realmente
desejam deixar de lado seus televisores e celulares baratos?
RAWI ABDELAL é professor associado na Escola de Administração de Empresas da Universidade Harvard. ADAM SEGAL é pesquisador sênior
de assuntos chineses na cátedra Maurice R.
Greenberg do Conselho de Relações Internacionais. O presente artigo foi adaptado da edição janeiro/ fevereiro de "Foreign Affairs".
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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