São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 2006

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ARTIGO

O auge da globalização já passou?

RAWI ABDELAL
ADAM SEGAL
DA "FOREIGN AFFAIRS"

Houve uma era em que a globalização parecia inexorável. Governos aceitavam de braços abertos os benefícios das mudanças tecnológicas e dos mercados internacionais. Então, vieram as crises financeiras dos últimos 10 anos. O déficit norte-americano em conta corrente disparou, e o valor do dólar despencou. À medida que a terceirização de empregos para o exterior e a imigração cresciam, cidadãos dos EUA, Europa e China passaram a sentir insegurança cada vez maior. Estudiosos começaram a lançar alertas quanto ao possível colapso da globalização.
Mas será que isso vai acontecer? Ou a integração continuará em seu ritmo atual? A resposta, paradoxal, é que nenhuma das duas coisas virá a ocorrer. A revolução da alta tecnologia que propeliu a onda atual de globalização deve continuar, tornando as comunicações cada vez mais fáceis e baratas, e permitindo que as grandes empresas espalhem suas operações por todo o planeta. Ao mesmo tempo, parece seguro que outras barreiras devem surgir. As normas que obrigam governos a manter seus mercados abertos e implementar políticas liberalizantes se debilitaram consideravelmente nos últimos anos, e o processo deve continuar.
Os sinais de uma desaceleração na globalização são visíveis há anos. Parte do problema é que dois grandes propulsores de integração, a Europa e os EUA, sempre tiveram idéias diferentes sobre a maneira de conduzir o processo. E nunca harmonizaram suas diferenças.
A abordagem de Washington sempre foi, e continua sendo, casual, o que quer dizer que os norte-americanos dependem de seu poderio preponderante para fechar acordos bilaterais diretos com outros países.
As autoridades européias, por sua vez, favorecem a criação de regras e o estímulo ao avanço de organizações como a União Européia, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Nos últimos anos, as restrições aos capitais cresceram em todo o mundo. Outro recuo está acontecendo no comércio de bens e serviços. A OMC obteve notável sucesso em se estabelecer como autoridade mundial primária quanto a esse assunto.
Mas agora ela atingiu o zênite de seus poderes, o que é lastimável, já que seus mecanismos de imposição de regras, que dependem da autoridade governamental dos países, estão longe de perfeitos.
A crise na rodada Doha de negociações de comércio internacional colocou em destaque ainda outro ponto de divergência, cada vez mais profunda: a que separa os países ricos e desenvolvidos dos pobres e em desenvolvimento.

Insatisfação nos EUA
A tensão também cresceu no que tange ao livre movimento de mão-de-obra. O público europeu e dos EUA se tornou altamente cético quanto à capacidade de seus países para absorver novos imigrantes. Em todo o mundo, a insatisfação popular com a distribuição desigual dos benefícios da globalização também vem crescendo. Esse sentimento é mais perceptível, ironicamente, nos dois países - EUA e China - que mais se beneficiaram da globalização.
Nos EUA que, graças ao seu déficit em conta corrente, precisam de mais investimento externo do que nunca, o sentimento popular recentemente forçou o governo de George W. Bush a rejeitar duas transações muito alardeadas que envolviam a CNOOC e a [empresa árabe] Dubai Ports World.
O compromisso de Washington para com o livre movimento de produtos também começou a vacilar, e o Congresso está ameaçando impor tarifas punitivas e cancelar sua autorização ao presidente para que negocie acordos comerciais pela via expressa.
Na China, o acesso estrangeiro aos setores bancário, de comunicação e imobiliário continua severamente limitado, e funcionários do governo chinês começaram a esquadrinhar com mais atenção as propostas de investimento internacional em outros segmentos.
As bases institucionais cada vez mais frágeis e o crescente descontentamento com relação à globalização tornarão cada vez mais difícil para os políticos em todo o mundo propor medidas de liberalização de mercado. Mas esses políticos precisam reconhecer que seus países agora dependem dos mercados para manter a saúde econômica. Mantê-los livres requererá duas coisas.
A primeira é que políticas econômicas internas garantam que os países se mantenham competitivos e distribuam melhor os benefícios da globalização. Se os EUA abandonassem sua maneira improvisada de ter uma política caso a caso, e adotassem a estratégia que a Europa emprega, as instituições de que todos os países dependem sairiam reforçadas.
Segundo, os governos precisam trabalhar melhor o aspecto de relações públicas da globalização. Os políticos precisam ser muito mais convincentes ao explicar aos seus eleitores que os custos de reverter a globalização superariam de longe os benefícios da proposta. O Wal-Mart e os produtos chineses baratos que a cadeia de lojas vende podem ter causado abalo no mercado de varejo norte-americano. Mas será que os norte-americanos realmente desejam deixar de lado seus televisores e celulares baratos?


RAWI ABDELAL é professor associado na Escola de Administração de Empresas da Universidade Harvard. ADAM SEGAL é pesquisador sênior de assuntos chineses na cátedra Maurice R. Greenberg do Conselho de Relações Internacionais. O presente artigo foi adaptado da edição janeiro/ fevereiro de "Foreign Affairs".
Tradução de PAULO MIGLIACCI


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