São Paulo, quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

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Mirando eleição, Farc podem favorecer Uribe

Analistas veem motivação eleitoral em morte de governador, mas avaliam que política linha-dura de presidente pode sair beneficiada

Ano de 2009 viu aumento de ações urbanas da guerrilha, que matou 45 agentes do Estado colombiano apenas entre meses de abril e junho


THIAGO GUIMARÃES
DA REPORTAGEM LOCAL

O sequestro seguido de morte, anteontem, de um governador na Colômbia, ação atribuída às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) pelo governo Álvaro Uribe, marca a tentativa da guerrilha de mostrar força após importantes derrotas e, com isso, influir no debate pré-eleitoral no país.
Contudo, para analistas ouvidos pela Folha, se confirmada a participação das Farc no episódio, a ação pode ser um tiro pela culatra, por fortalecer a política de linha-dura contra as guerrilhas responsável por grande parte da aprovação de 80% a Uribe, que ambiciona, mediante reforma constitucional, concorrer ao terceiro mandato em maio de 2010.
Anteontem, o governador do departamento (Estado) de Caquetá (sul), Luis Francisco Cuéllar, apareceu morto menos de 24 horas após ser sequestrado por um grupo armado. Embora as esquerdistas Farc não tivessem assumido a autoria do ataque até ontem, o governo diz ter dados que confirmam essa hipótese.
O cientista político Gerson Arias, da Fundação Ideas para La Paz, diz que a ação das Farc embute cálculos nacionais e locais. No plano federal, procura enviar uma mensagem sobre sua capacidade de ataque, 17 meses após o resgate, pelo governo, de 15 reféns das Farc, entre eles a ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt.
Já o ingrediente local, diz Arias, é a própria escolha do alvo: o governador Cuéllar era objeto de três investigações por suspeitas de ligações com grupos paramilitares de direita. E dois dias antes do sequestro a gestão Uribe havia promovido uma sessão de governo itinerante em Florencia, capital de Caquetá e local do crime. "Querem mostrar que continuam tendo poder na região", afirma.
Para Arias, o episódio vai reduzir o espaço político de questionamentos à estratégia de Uribe, de cunho militarista e apoiada pelos EUA. "Hoje é muito custoso no país discordar do presidente."

Reativação
O analista León Valencia, ex-membro do ELN (Exército de Libertação Nacional), a debilitada segunda guerrilha de esquerda do país, vê no ataque uma prova de fortalecimento das Farc. "Estão superando o auge de dificuldades que tiveram nos últimos dois anos", afirma, citando o resgate dos reféns e as mortes dos líderes Manuel Marulanda e Raúl Reyes, também em 2008.
De fato, o primeiro semestre de 2009 marca uma mudança no confronto, com aumento de ações urbanas das Farc. Só de abril a junho, a guerrilha matou 45 agentes públicos. "As Farc buscam se inserir na agenda dos candidatos presidenciais e chamar a atenção da opinião pública, em outros tempos irrelevante para o grupo", diz estudo da Ideas para La Paz.
Diferentemente de Arias, Valencia diz que o atentado pode enfraquecer Uribe. "Há setores de classe alta, como empresários, que começam a questionar as consequências da política." Cita como exemplo editorial do jornal "El Tiempo", o principal do país, que pediu "estratégias frescas e aprendizados necessários" na política oficial.
Carlos Velásquez, que dá aulas sobre o conflito armado na Universidade de La Sabana, vê um cenário intermediário: a radicalização das Farc beneficia Uribe hoje, por justificar sua posição intransigente, mas é prejudicial no médio prazo "por colocar o país em um beco sem saída".


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