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Ofensiva militar divide opiniões na esquerda israelense
Jornalista Gideon Levy se torna símbolo de grupo minoritário que acha que ataque a Gaza é imoral e falhou em seus objetivos
Escritor A. B. Yehoshua,
histórico ativista pela paz, é
um dos que se somaram aos
90% que endossaram a
investida contra o Hamas
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A JERUSALÉM
Nos acalorados debates políticos da TV israelense, ele é atacado por todos os lados. No jornal em que trabalha, seus artigos devastadores são publicados ao lado das críticas que recebe dos colegas com quem divide a página de opinião.
Gideon Levy, 53, colunista do
diário "Haaretz", tornou-se um
símbolo solitário da diminuta
minoria israelense que se opôs
à ofensiva contra o Hamas em
Gaza. Sua revolta contra o
bombardeio de áreas civis, a
identificação com o sofrimento
dos palestinos e o retrato da sociedade israelense como racista
e intolerante lhe renderam a
pecha de traidor, hipócrita e até
ameaças de morte.
A insistência de Levy em
condenar a ação israelense sem
dar atenção ao que a motivou
também atraiu "fogo amigo".
No chamado campo da paz, formado por intelectuais e artistas, muitos se sentiram julgados pelo seu furioso tribunal
ético, em que a sociedade israelense sentava-se no banco dos
réus e, invariavelmente, era
condenada.
O contra-ataque que ganhou
mais destaque partiu do escritor A. B. Yehoshua, 72, um dos
maiores de Israel, e veterano
ativista em prol da paz e contra
a ocupação dos territórios palestinos. Em carta aberta publicada no "Haaretz", ele acusou
Levy de ignorar os crimes e as
provocações do Hamas e de denunciar a morte de crianças em
Gaza sem lembrar que elas
eram usadas como escudos.
A resposta veio com a força
de um míssil. Só o talento literário de Yehoshua foi poupado.
De resto, Levy incluiu o escritor na massa ignorante que caiu
vítima da propaganda governista e perdeu a "espinha dorsal ética".
Entrevistados pela Folha,
Levy e Yehoshua mostraram o
profundo fosso ideológico entre duas figuras de ponta da esquerda israelense. Para Levy, o
consenso nacional em torno da
guerra é resultado de um longo
processo de lavagem cerebral.
Para Yehoshua, a ofensiva em
Gaza era necessária para manter vivo o processo de paz.
Levy diz que o governo israelense já preparava a opinião
pública para esta guerra há
muito tempo. "A indiferença e
a cegueira não começaram hoje", diz Levy. "É um processo
de muitos anos, e que chegou
ao auge nesta guerra".
A ocupação dos territórios
palestinos, em 1967, diz o jornalista, deu início a uma "desumanização sistemática" dos palestinos, que justifica ações militares e baixas civis. "Israel é
hoje mais nacionalista e direitista do que nunca. E o pior é
que não há mais debate."
Yehoshua não aceita as "lições de moral" de Levy. Para
ele, o apoio de 90% da população israelense à guerra em Gaza não é um sintoma de cegueira coletiva, mas uma reação ao
disparo incessante de foguetes
pelos extremistas palestinos.
Além de imoral, lembra o escritor, trata-se de uma ação "estúpida", pois não obtém nada.
Shimon Peres
O consenso também não indica a morte do campo pacifista, tampouco da solução de dois
Estados, afirma o escritor. "O
apoio à ofensiva não significa
oposição à paz, pelo contrário.
Luto há 42 anos contra a ocupação", diz Yehoshua, que culpa o Hamas por minar o processo de paz ao continuar com
os foguetes, mesmo depois da
retirada israelense de Gaza.
"Para que haja respaldo público
à retirada da Cisjordânia, é preciso haver calma em Gaza".
Os argumentos não convencem Levy. Se toda a sociedade
israelense tombou para a direita, diz, os esquerdistas foram
junto. Entre eles o atual presidente, Shimon Peres, de quem
o jornalista foi assessor de 1978
a 1982. Ele explica porque não
fala com o antigo chefe, que ganhou o Nobel da Paz pelo acordo de paz com os palestinos.
"Prefiro a extrema direita,
pelo menos é direta e diz a verdade", diz Levy. "Esses [esquerdistas], e o Shimon Peres principalmente, só enganam. Parecem ser a favor da paz, mas na
verdade mandam Israel para
guerras o tempo todo."
Além de imoral, Levy considera a guerra desnecessária.
Não mudou a equação em favor
de Israel, e os objetivos declarados, como o fim dos foguetes
disparados de Gaza e do contrabando de armas na fronteira
com o Egito, não foram alcançados. Além disso, diz, o Hamas
se fortaleceu politicamente.
Mais uma vez, Yehoshua discorda totalmente. Entre os sucessos da ofensiva, cita o maior
compromisso do Egito no controle da fronteira e o engajamento da Europa. E, ao contrário de Levy, acha que ela aumentará a pressão dos palestinos de Gaza sobre o Hamas. Sobre isso, só o tempo dirá quem
acertou.
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