São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2009

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Ofensiva militar divide opiniões na esquerda israelense

Jornalista Gideon Levy se torna símbolo de grupo minoritário que acha que ataque a Gaza é imoral e falhou em seus objetivos

Escritor A. B. Yehoshua, histórico ativista pela paz, é um dos que se somaram aos 90% que endossaram a investida contra o Hamas

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A JERUSALÉM

Nos acalorados debates políticos da TV israelense, ele é atacado por todos os lados. No jornal em que trabalha, seus artigos devastadores são publicados ao lado das críticas que recebe dos colegas com quem divide a página de opinião.
Gideon Levy, 53, colunista do diário "Haaretz", tornou-se um símbolo solitário da diminuta minoria israelense que se opôs à ofensiva contra o Hamas em Gaza. Sua revolta contra o bombardeio de áreas civis, a identificação com o sofrimento dos palestinos e o retrato da sociedade israelense como racista e intolerante lhe renderam a pecha de traidor, hipócrita e até ameaças de morte.
A insistência de Levy em condenar a ação israelense sem dar atenção ao que a motivou também atraiu "fogo amigo". No chamado campo da paz, formado por intelectuais e artistas, muitos se sentiram julgados pelo seu furioso tribunal ético, em que a sociedade israelense sentava-se no banco dos réus e, invariavelmente, era condenada.
O contra-ataque que ganhou mais destaque partiu do escritor A. B. Yehoshua, 72, um dos maiores de Israel, e veterano ativista em prol da paz e contra a ocupação dos territórios palestinos. Em carta aberta publicada no "Haaretz", ele acusou Levy de ignorar os crimes e as provocações do Hamas e de denunciar a morte de crianças em Gaza sem lembrar que elas eram usadas como escudos.
A resposta veio com a força de um míssil. Só o talento literário de Yehoshua foi poupado. De resto, Levy incluiu o escritor na massa ignorante que caiu vítima da propaganda governista e perdeu a "espinha dorsal ética".
Entrevistados pela Folha, Levy e Yehoshua mostraram o profundo fosso ideológico entre duas figuras de ponta da esquerda israelense. Para Levy, o consenso nacional em torno da guerra é resultado de um longo processo de lavagem cerebral. Para Yehoshua, a ofensiva em Gaza era necessária para manter vivo o processo de paz.
Levy diz que o governo israelense já preparava a opinião pública para esta guerra há muito tempo. "A indiferença e a cegueira não começaram hoje", diz Levy. "É um processo de muitos anos, e que chegou ao auge nesta guerra".
A ocupação dos territórios palestinos, em 1967, diz o jornalista, deu início a uma "desumanização sistemática" dos palestinos, que justifica ações militares e baixas civis. "Israel é hoje mais nacionalista e direitista do que nunca. E o pior é que não há mais debate."
Yehoshua não aceita as "lições de moral" de Levy. Para ele, o apoio de 90% da população israelense à guerra em Gaza não é um sintoma de cegueira coletiva, mas uma reação ao disparo incessante de foguetes pelos extremistas palestinos. Além de imoral, lembra o escritor, trata-se de uma ação "estúpida", pois não obtém nada.

Shimon Peres
O consenso também não indica a morte do campo pacifista, tampouco da solução de dois Estados, afirma o escritor. "O apoio à ofensiva não significa oposição à paz, pelo contrário. Luto há 42 anos contra a ocupação", diz Yehoshua, que culpa o Hamas por minar o processo de paz ao continuar com os foguetes, mesmo depois da retirada israelense de Gaza. "Para que haja respaldo público à retirada da Cisjordânia, é preciso haver calma em Gaza".
Os argumentos não convencem Levy. Se toda a sociedade israelense tombou para a direita, diz, os esquerdistas foram junto. Entre eles o atual presidente, Shimon Peres, de quem o jornalista foi assessor de 1978 a 1982. Ele explica porque não fala com o antigo chefe, que ganhou o Nobel da Paz pelo acordo de paz com os palestinos.
"Prefiro a extrema direita, pelo menos é direta e diz a verdade", diz Levy. "Esses [esquerdistas], e o Shimon Peres principalmente, só enganam. Parecem ser a favor da paz, mas na verdade mandam Israel para guerras o tempo todo."
Além de imoral, Levy considera a guerra desnecessária. Não mudou a equação em favor de Israel, e os objetivos declarados, como o fim dos foguetes disparados de Gaza e do contrabando de armas na fronteira com o Egito, não foram alcançados. Além disso, diz, o Hamas se fortaleceu politicamente.
Mais uma vez, Yehoshua discorda totalmente. Entre os sucessos da ofensiva, cita o maior compromisso do Egito no controle da fronteira e o engajamento da Europa. E, ao contrário de Levy, acha que ela aumentará a pressão dos palestinos de Gaza sobre o Hamas. Sobre isso, só o tempo dirá quem acertou.


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