São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2007

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"Novo" Paraguai tem mais atritos com Brasil

Com exportações agrícolas em alta, empresários criticam o Mercosul e dizem ter mais vantagens em outros mercados

Enfraquecimento de colorados, há 60 anos poder, abre espaço para novas demandas; agricultura já supera o contrabando

RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A ASSUNÇÃO

"Preço justo para a energia elétrica." Com esse lema, uma campanha exige que se cobre mais pela energia de Itaipu que o Paraguai não usa e vende ao Brasil. Haverá uma manifestação em abril, e o principal orador será o ex-bispo Fernando Lugo, favorito para vencer as eleições presidenciais de abril de 2008. Em entrevista à Folha, o esquerdista Lugo sugeriu que o preço da energia vendida ao Brasil deveria subir sete vezes para se fazer justiça.
Até o jornal conservador "ABC Color", o maior do país, escreveu em editorial que sentia inveja do "patriotismo" do presidente boliviano, Evo Morales, por ele cobrar mais do Brasil pelo seu gás.
As cobranças não terminam aí. Na semana passada, o presidente da principal associação de pecuaristas recorreu à Guerra do Paraguai para dizer que a Tríplice Aliança (de Brasil, Argentina e Uruguai) ainda existia e que o Mercosul não beneficiava o Paraguai.
Também em entrevista à Folha, o vice-presidente, Luis Castiglioni, o provável candidato governista, defendeu abertamente um acordo comercial e de investimentos com os Estados Unidos, como o que vem sendo negociado pelo Uruguai.
Em ano eleitoral, os ataques ao Brasil devem crescer, mas não são só retórica de campanha. Para vários especialistas, um novo Paraguai está tomando forma, na política e na economia. Um Paraguai menos dependente do "imperialismo brasileiro".

Vendas extra-Mercosul
Até 1998, mais de 80% das exportações paraguaias eram compostas pelo contrabando enviado ao Brasil e Argentina - conhecido no país pelo eufemismo "reexportações".
As mercadorias eram importadas legalmente pelo Paraguai, principalmente do parceiro Taiwan, e reexportadas ilegalmente aos vizinhos maiores.
Mas, com a desvalorização do real brasileiro e do peso argentino, a abertura das duas economias e a criação da alíquota comum do Mercosul, o negócio deixou de ser tão vantajoso. Apesar da recuperação da venda de eletrônicos, nunca voltou aos níveis dos anos 90.
Já os produtos genuinamente nacionais, como soja, carne e laticínios, vivem um inédito boom. Desde 2002, os nacionais superam as reexportações. As exportações de soja podem chegar a US$ 1 bilhão neste ano, e as de carne vão superar os US$ 600 milhões.
"As economias não são complementares. O que nós produzimos, os vizinhos também produzem. Acabamos competindo dentro do Mercosul. Temos a crescer fora, não dentro", diz o produtor de soja, trigo e milho Héctor Cristaldo, presidente da Coordenadora Agrícola do Paraguai, que reúne 25 mil produtores.
Apesar das exportações de produtos nacionais terem praticamente dobrado de 2001 a 2006, as vendas para o Brasil são as mesmas desde 2001.
Os novos mercados são Leste Europeu, Rússia, Chile, Europa e países do Oriente Médio.
"Enfrentamos dificuldades burocráticas, excesso de impostos e barreiras extratarifárias. Nos últimos três anos, vale mais a pena vender em outros lugares", diz Cristaldo.

Free shop regional
Com o amplo know how de triangulação dos tempos áureos do contrabando, o Paraguai consegue fazer até negócios com a China, com quem não mantém relações diplomáticas, por conta de uma aliança antiga com Taiwan, desafeto dos comunistas.
O país exporta soja para o Uruguai pelo rio Uruguai. Lá vira "produto uruguaio" e é reexportada para a China.
Para o economista Fernando Masi, diretor do Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia, apesar de 50% das exportações "oficialmente" terem como destino o Mercosul, na verdade apenas 25% do total fica com o bloco.
"É irônico que aconteça isso agora, porque o Paraguai era o mais integrado ao Mercosul quando o bloco ainda não existia", diz Masi.
Em tempos de economias fechadas e de substituição de importações no Brasil e na Argentina, o país era o distribuidor free shop da região.
Economia aberta, importava tudo que inexistia nos vizinhos e os reexportava. Com a crise desse modelo, só resta ao Paraguai mudar.


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