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"Quero romper com elitismo", diz Ségolène
Candidata socialista ri dos que gracejam de suas supostas gafes, ataca conservadores e defende democracia participava
Ela também critica rivais dentro do PS e diz que o
ex-premiê Lionel Jospin ficou irado com candidatura de "garota das províncias"
Michel Euler - 21.fev.2007/Associated Press
| Ségolène Royal; "quando outros erram, foi só um lapso", diz ela |
BERNARD-HENRI LÉVY
É claro que ela sabia, já antes
de nos encontrarmos, que não
sou -na verdade, estou longe
de ser- partidário fervoroso de
sua candidatura à Presidência
da França. Mas isso não pareceu incomodar Ségolène Royal.
E se, naqueles primeiros momentos, naquele salão de jantar
de um hotel, eu percebi um indício de desconfiança, o que de
fato me chamou a atenção foi
seu espantoso frescor, sua graça despreocupada.
Começamos falando de suas
célebres gafes, que se tornaram
o grande assunto de Paris e que
variam desde seus comentários
sobre o Québec (para o qual ela
afirmou desejar "a soberania e
liberdade") até sua incerteza
sobre exatamente quantos submarinos nucleares possui a
Marinha francesa. Ela ri alto,
como uma garota.
"Bem, pelo que eu sei, não fui
eu quem falou em arrasar Teerã -isso foi o presidente da República, Jacques Chirac."
Ela prossegue: "Não é divertido? Quando outra pessoa comete um erro ao falar, dizemos
que foi um lapso. Mas quando
sou eu, é um equívoco gigantesco, um erro."
E então, em tom mais sério,
com um brilho frio nos olhos e
um ligeiro enrugar dos círculos
leves debaixo deles: "De qualquer maneira, estão me perseguindo -a mim, a meus colegas, meus filhos, eu mesma e minhas supostas gafes. Nada os
faz parar; sou uma presa fácil."
Observo que não estamos falando de meras gafes. Quando
ela estava em Pequim, por
exemplo, falou alguma coisa sobre a maravilhosa rapidez da
Justiça chinesa. "Isso foi inteiramente tirado de contexto. Eu
estava falando da Justiça comercial, não criminal."
Ótimo, digo. Mas o que foi
problemático foi o fato de ela já
estar recuando na questão dos
direitos humanos, enquanto
Nicolas Sarkozy - o rival conservador da candidatura socialista de Royal ao Palácio do Eliseu- está assumindo posições
fortes em relação a Darfur, à
Tchetchênia, às ditaduras.
"Oh, Sarkozy e as ditaduras!"
Ela solta outra gargalhada, como uma menina. "A direita e as
ditaduras -isso é algo que eu
preciso ver. Mas, sobre minha
viagem à China, você precisa
compreender que eu realmente
reiterei minhas preocupações
com o não respeito deles pelos
direitos humanos."
Ahá, digo eu. E por que a sra.
os chama de "direitos humanos", e não de os Direitos do
Homem-, como faz o resto da
França?
Direitos humanos
Nós nos lançamos num diálogo estranho, no qual eu explico que, para a esquerda antitotalitária, os Direitos do Homem
não são uma simples frase, mas
um conceito -um conceito
carregado de memórias de resistência. E ela, argumentativa,
com uma intransigência de repente visível em seu rosto, afirma que é exatamente o contrário -que, quando se fala em "Direitos do Homem", ela não
consegue passar por cima do
sentido literal das palavras, o
direito do homem em oposição
ao da mulher.
"Um dia", ela continua, "eu
estava conversando com uma
mulher de um vilarejo no Mali.
Para ela, era exatamente tão
simples assim: se você diz "Direitos do Homem", ela entende
que são os direitos da população masculina, que domina
nessa região há séculos. Então
eu escolhi o ponto de vista dela,
que, por sinal, é o mesmo de
qualquer criança que se encontra na rua."
Então, como está a situação
com os rivais dela? Não fica claro se é ela quem não quer o
apoio do Partido Socialista ou
se é o partido que optou por se
esconder temporariamente da
atenção pública.
"Eu ofereci a Dominique
Strauss-Kahn" -o ex-ministro
das Finanças que ela derrotou
na disputa pela candidatura
presidencial socialista- "uma
missão", diz ela. "Tratando de
questões fiscais."
O sommelier nos serve mais
vinho. Observo que ela come e
bebe com prazer real, como fazia [François] Mitterrand até
adoecer, e que ela tem um pouco do bom apetite de [Jacques]
Chirac. Será isso um sinal?
Um homem de uma mesa ao
lado se aproxima para nos dizer
que a admira. Ela fica em pé, estranhamente comovida, enrubescendo até ficar mais rosada
que seu tailleur, seu pescoço
longo e belo traindo seu prazer.
Elitismo
Quando volta a se sentar, ela
diz: "Eu entendo [Lionel] Jospin [o ex-premiê, que finalmente se incorporou à campanha na última quinta-feira].
Que uma mulher como eu, uma
"becassine" (garota das províncias), tenha sido escolhida candidata do partido, tendo sucesso em coisas das quais ele nunca nem sequer se aproximou
-compreendo que isso possa
deixá-lo irado."
Que espécie de coisas?
"[Jean-Pierre] Chevènement",
diz ela, referindo-se a outro peso pesado da esquerda. "Jospin
ainda não entende como eu o
consegui, quando acha que é o
fato de que ele não o fez -de
que Chevènement ficou contra
ele- que o levou a perder [as
presidenciais de 2002]."
Ela continua: "Você tem alguma explicação para o fato de
Jospin ter perdido para Chirac
e até mesmo Le Pen?".
Então, quando respondo que
isso pode ter estado relacionado à forma de elitismo político
que foi castigada pelos eleitores, ela diz: "É isso mesmo, sim.
E o que os incomoda é minha
disposição de romper com esse
elitismo. Aquilo que chamamos
de democracia participativa, eu
nunca afirmei que era uma panacéia. Mas ouvir o que [os
franceses] têm nas suas cabeças, já que por tantos anos suas
verdades lhes foram impostas
-foi necessário fazê-lo, e estou
orgulhosa disso".
Ela tem certeza de vencer,
me diz. Como Hillary Clinton, a
quem admira, ela sente certeza
de que vai conquistar o apoio
do campo conservador, congelado em suas certezas, incapaz
de enfrentar os desafios. "Os
subúrbios -diante desses cortiços em chamas, como é possível que a única política seja a
repressão, na qual os manifestantes não passam de bárbaros
diante dos portões da cidade?
Será que nós, como os gregos
antigos, não estamos chamando de bárbaros àqueles que têm
menos acesso? Essa atitude é
loucura, é o suicídio."
Já passou da meia-noite.
O restaurante está vazio.
Uma última pergunta, sobre
suas escolhas em matéria de livros: um livro de Dominique
Meda (ela se surpreende ao saber que não a conheço) sobre
mulheres, e "Contemplations",
de Victor Hugo, que a acompanha há algum tempo.
Despeço-me, ainda um pouco perplexo, mas com a impressão de que é possível que as pessoas -inclusive eu mesmo- tenham sido injustas com essa
mulher, e que ela não se parece
realmente com a estátua ligeiramente desajeitada em que ela
própria se moldou.
O filósofo e escritor BERNARD-HENRI LÉVY é
autor de "American Vertigo". Este artigo foi publicado originalmente no "Wall Street Journal"
Tradução de CLARA ALLAIN
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