São Paulo, quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

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Cuba culpa EUA por morte de dissidente

Acusação foi feita pelo próprio Raúl Castro ao lado de Lula, que, mais tarde, negou ter recebido carta com pedido de ajuda

Marco Aurélio Garcia afirma que morte é "lamentável", entretanto ressalva que "há problemas de direitos humanos no mundo inteiro"


Lula Marques/Folha Imagem
Raúl Castro, ao lado de Lula, no porto de Mariel que será reformado com financiamento brasileiro

SIMONE IGLESIAS
ENVIADA ESPECIAL A HAVANA (CUBA)

A morte do preso político Orlando Zapata Tamayo, 42, que estava em greve de fome havia 85 dias em Cuba, fez sombra ao clima festivo da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos irmãos Fidel e Raúl Castro.
Ontem de manhã, ao visitar com Lula a região onde será construído um novo porto perto de Havana, Raúl nem precisou ser questionado pelos jornalistas. Deu bom-dia, disse saber qual seria a pergunta e imediatamente culpou os EUA. "Foi condenado a três anos, foi levado aos nossos melhores hospitais, morreu. Lamentamos muito. Isso se deve à confrontação que temos com os EUA, temos perdido milhares de cubanos", disse.
Ao lado de Raúl, Lula, que depois teve encontro com Fidel, nada falou. Mais tarde, irritado, disse não ter sido procurado para ajudar. "Não recebi nenhuma carta [em referência a carta que presos cubanos disseram ter enviado]. As pessoas precisam parar com o hábito de fazer carta, guardar para si e depois dizer que mandaram."
Lula lamentou "profundamente" o ocorrido, condenou a greve de fome como forma de protesto e foi irônico ao dizer que se os dissidentes de Cuba quiserem ser também "dissidentes do Lula não tem problema nenhum". Afirmou também que pode ser criticado por muitas coisas, "menos de ser uma alma que não faça solidariedade", porém, saiu pela tangente e em nenhum momento se referiu ao regime ditatorial e aos motivos que levaram à dissidência e às prisões políticas na ilha.
Nos desafios aos EUA, Raúl disse que o seu governo e o de Fidel jamais mataram ou torturam opositores e que milhares de cubanos morreram nas últimas décadas vítimas de "terrorismo de Estado", segundo ele, praticado por Washington.
"Em meio século, aqui não assassinamos ninguém. Aqui ninguém foi torturado. Aqui não houve nenhuma execução extrajudicial. Foram torturados em Cuba, sim, é verdade, mas na base de Guantánamo, não em nosso território", disse.
Zapata era considerado pela Anistia Internacional como "prisioneiro de consciência", enquanto, para o governo cubano, ele e outros prisioneiros não passam de "mercenários" a serviço dos EUA.
Segundo grupos de direitos humanos, mais de 30 oposicionista foram presos ou mantidos presos em suas casas por agentes de segurança entre anteontem e ontem, no que foi apontado como uma tentativa do governo cubano de impedir que o funeral do dissidente virasse um acontecimento político. Após responsabilizar Washington pela morte de Zapata, Raúl criticou a imprensa.
"Desde que um tal de Guttenberg inventou a imprensa, só se publica o que quer o dono da imprensa", disse, e completou: "Aqui não temos uma máxima liberdade de expressão, é certo. Deixem-nos tranquilos, deixem-nos quietos, deixem-nos desenvolver normalmente nossas atividades. Essa é a realidade, o resto é historia". O assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, que está em Cuba com Lula, disse, sobre a morte de Zapata, que "há problemas de direitos humanos no mundo inteiro".

A jornalista SIMONE IGLESIAS viajou no trecho de Cancún a Cuba em avião da FAB

Leia coluna de Clóvis Rossi

www.folha.com.br/100559


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