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ARTIGO
Dilema europeu sob guarda-chuva da Otan
NELSON FRANCO JOBIM
ESPECIAL PARA A FOLHA
Sem unidade para adotar
uma política externa e de defesa comum, a única possibilidade para a segurança da Europa
em médio prazo é a Organização do Tratado do Atlântico
Norte (Otan). A aliança militar
liderada pelos Estados Unidos
dividiu-se com a invasão do
Iraque sem um mandato do
Conselho de Segurança da
ONU, e agora os países europeus enfrentam uma decisão
crucial: entrar ou não para o
sistema de defesa antimísseis
americano.
Dois países europeus, Polônia e República Tcheca, ex-satélites da União Soviética, concordaram em instalar estações
do programa, e o Reino Unido
está interessado.
A Rússia anunciou uma nova
doutrina militar em 5 de março. Até 2015, gastará 144 bilhões de euros para modernizar
suas Forças Armadas. Em resposta ao sistema antimísseis
dos EUA, ameaça voltar a fabricar mísseis nucleares de médio
alcance.
Como em 1983, quando os
EUA instalaram novos mísseis
nucleares na Europa, o movimento pacifista, revigorado pelas manifestações contra a
guerra no Iraque, deve lançar
uma grande campanha contra o
sistema antimísseis americano.
A Europa não quer ficar mais
uma vez no meio do fogo cruzado entre Washington e Moscou, como na Guerra Fria.
Irrelevância
"O grande desafio da União
Européia nos próximos 50 anos
é a união política", disse o diretor-geral de Relações Exteriores da Comissão Européia,
Eneko Landábaru, em seminário sobre os 50 anos do Tratado
de Roma realizado no Rio. Essa
unificação virá da necessidade.
Caso contrário, a Europa corre
o risco de se tornar irrelevante.
Primeiro, precisa de uma política externa e de defesa comum. Ela nasce com o Tratado
de Maastricht, de dezembro de
1991. Mas não passa no primeiro teste. A Alemanha decidiu
reconhecer unilateralmente a
independência das repúblicas
iugoslavas da Croácia e Eslovênia, suas aliadas históricas, que
haviam sido atacadas pelo
Exército Federal da Iugoslávia,
dominado pelos sérvios. Logo o
conflito atingiu a vizinha Bósnia-Herzegovina.
Na ordem mundial pós-Guerra Fria, caberia à Europa
resolver o conflito nos Bálcãs.
Mas a UE precisou da intervenção da Otan, no governo Bill
Clinton, para obrigar sérvios,
croatas e bósnios a assinar os
acordos de paz de Dayton,
Ohio, em 1995.
A última guerra iugoslava, no
Kosovo, em 1999, foi decisiva
para a Otan, que festejava 50
anos. Com mais de 90% da capacidade militar, no Kosovo os
EUA precisavam do consenso
de outros 18 aliados (hoje são
27) para atacar. O general Wesley Clark, comandante militar
da Otan, sentia-se como se lutasse com uma mão amarrada
às costas.
Desde a guerra do Kosovo, os
EUA decidiram não ir mais à
guerra com toda a estrutura da
Otan, mas organizar "coalizões
de voluntários" onde possam
determinar o que querem que
os aliados façam. Foi assim na
guerra contra a milícia Taleban
e a Al Qaeda, no Afeganistão,
depois do 11 de Setembro.
Ruptura
Nessa divisão de tarefas, o
pensador conservador americano Robert Kagan, autor de
"Of Paradise and Power" (De
paraíso e poder), sugeriu que os
EUA façam o serviço pesado, a
guerra, deixando a pacificação
e a reconstrução por conta da
UE. Mas, ao invadir o Iraque,
Bush provocou uma ruptura
política na aliança atlântica.
Por que a Europa deve limpar o
serviço sujo feito pelos EUA?
A Alemanha e a França, líderes da oposição à guerra no
Conselho de Segurança, ao lado
da Rússia, relutam agora em reforçar as tropas da Otan no Afeganistão, onde enfrentam o
ressurgimento dos talebans.
Com o fracasso da invasão do
Iraque, a Europa não quer se
associar às guerras que acredita
terem sido causadas pela agressividade da política externa
americana.
Divisão
Os EUA e a Europa podem se
unir contra inimigos comuns,
como o terrorismo dos fundamentalistas muçulmanos, em
ações de inteligência e operações de comandos. Numa guerra, será muito mais difícil, já
que nenhum país deve atacá-los. Os inimigos são não-estatais. Não serão derrotados numa guerra convencional.
Por que, então, cutucar a
Rússia com o sistema antimísseis? Ele seria ineficiente para
deter uma chuva de mísseis nucleares como a Rússia pode lançar. Talvez possa neutralizar
ataques isolados de países como o Irã e a Coréia do Norte,
que em princípio não têm motivos para atacar a Europa.
Para sair totalmente da proteção americana, a UE precisaria gastar muito mais com defesa, o que não interessa hoje aos
cidadãos europeus.
Eles contam com a proteção
americana, já que a embrionária Iniciativa Européia de Defesa Estratégica depende das
duas grandes potências militares da UE. A França quer agir
autonomamente, mas o Reino
Unido tem a aliança com os
EUA como política de Estado.
Mais uma vez, a tendência é a
UE se dividir, o que significa
adiar qualquer tomada de posição conjunta.
Ao aderir ao escudo antimísseis, os países entregam totalmente sua defesa aos EUA. Se a
Rússia ou a China lançarem
ataques nucleares contra a Europa ou o Japão, não haverá
tempo para os americanos consultarem os aliados antes de
contra-atacar. A tomada de decisões ficaria em Washington.
Alguém confia em Bush para
conduzir uma guerra?
NELSON FRANCO JOBIM , jornalista e professor da UniverCidade, é editor do blog Vida Global
e autor do livro " Bush 2: A Missão e outras reflexões sobre o mundo do século 21"
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