São Paulo, domingo, 25 de março de 2007

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ARTIGO

Dilema europeu sob guarda-chuva da Otan

NELSON FRANCO JOBIM
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sem unidade para adotar uma política externa e de defesa comum, a única possibilidade para a segurança da Europa em médio prazo é a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A aliança militar liderada pelos Estados Unidos dividiu-se com a invasão do Iraque sem um mandato do Conselho de Segurança da ONU, e agora os países europeus enfrentam uma decisão crucial: entrar ou não para o sistema de defesa antimísseis americano.
Dois países europeus, Polônia e República Tcheca, ex-satélites da União Soviética, concordaram em instalar estações do programa, e o Reino Unido está interessado.
A Rússia anunciou uma nova doutrina militar em 5 de março. Até 2015, gastará 144 bilhões de euros para modernizar suas Forças Armadas. Em resposta ao sistema antimísseis dos EUA, ameaça voltar a fabricar mísseis nucleares de médio alcance.
Como em 1983, quando os EUA instalaram novos mísseis nucleares na Europa, o movimento pacifista, revigorado pelas manifestações contra a guerra no Iraque, deve lançar uma grande campanha contra o sistema antimísseis americano. A Europa não quer ficar mais uma vez no meio do fogo cruzado entre Washington e Moscou, como na Guerra Fria.

Irrelevância
"O grande desafio da União Européia nos próximos 50 anos é a união política", disse o diretor-geral de Relações Exteriores da Comissão Européia, Eneko Landábaru, em seminário sobre os 50 anos do Tratado de Roma realizado no Rio. Essa unificação virá da necessidade. Caso contrário, a Europa corre o risco de se tornar irrelevante.
Primeiro, precisa de uma política externa e de defesa comum. Ela nasce com o Tratado de Maastricht, de dezembro de 1991. Mas não passa no primeiro teste. A Alemanha decidiu reconhecer unilateralmente a independência das repúblicas iugoslavas da Croácia e Eslovênia, suas aliadas históricas, que haviam sido atacadas pelo Exército Federal da Iugoslávia, dominado pelos sérvios. Logo o conflito atingiu a vizinha Bósnia-Herzegovina.
Na ordem mundial pós-Guerra Fria, caberia à Europa resolver o conflito nos Bálcãs. Mas a UE precisou da intervenção da Otan, no governo Bill Clinton, para obrigar sérvios, croatas e bósnios a assinar os acordos de paz de Dayton, Ohio, em 1995.
A última guerra iugoslava, no Kosovo, em 1999, foi decisiva para a Otan, que festejava 50 anos. Com mais de 90% da capacidade militar, no Kosovo os EUA precisavam do consenso de outros 18 aliados (hoje são 27) para atacar. O general Wesley Clark, comandante militar da Otan, sentia-se como se lutasse com uma mão amarrada às costas.
Desde a guerra do Kosovo, os EUA decidiram não ir mais à guerra com toda a estrutura da Otan, mas organizar "coalizões de voluntários" onde possam determinar o que querem que os aliados façam. Foi assim na guerra contra a milícia Taleban e a Al Qaeda, no Afeganistão, depois do 11 de Setembro.

Ruptura
Nessa divisão de tarefas, o pensador conservador americano Robert Kagan, autor de "Of Paradise and Power" (De paraíso e poder), sugeriu que os EUA façam o serviço pesado, a guerra, deixando a pacificação e a reconstrução por conta da UE. Mas, ao invadir o Iraque, Bush provocou uma ruptura política na aliança atlântica. Por que a Europa deve limpar o serviço sujo feito pelos EUA?
A Alemanha e a França, líderes da oposição à guerra no Conselho de Segurança, ao lado da Rússia, relutam agora em reforçar as tropas da Otan no Afeganistão, onde enfrentam o ressurgimento dos talebans. Com o fracasso da invasão do Iraque, a Europa não quer se associar às guerras que acredita terem sido causadas pela agressividade da política externa americana.

Divisão
Os EUA e a Europa podem se unir contra inimigos comuns, como o terrorismo dos fundamentalistas muçulmanos, em ações de inteligência e operações de comandos. Numa guerra, será muito mais difícil, já que nenhum país deve atacá-los. Os inimigos são não-estatais. Não serão derrotados numa guerra convencional.
Por que, então, cutucar a Rússia com o sistema antimísseis? Ele seria ineficiente para deter uma chuva de mísseis nucleares como a Rússia pode lançar. Talvez possa neutralizar ataques isolados de países como o Irã e a Coréia do Norte, que em princípio não têm motivos para atacar a Europa.
Para sair totalmente da proteção americana, a UE precisaria gastar muito mais com defesa, o que não interessa hoje aos cidadãos europeus.
Eles contam com a proteção americana, já que a embrionária Iniciativa Européia de Defesa Estratégica depende das duas grandes potências militares da UE. A França quer agir autonomamente, mas o Reino Unido tem a aliança com os EUA como política de Estado. Mais uma vez, a tendência é a UE se dividir, o que significa adiar qualquer tomada de posição conjunta.
Ao aderir ao escudo antimísseis, os países entregam totalmente sua defesa aos EUA. Se a Rússia ou a China lançarem ataques nucleares contra a Europa ou o Japão, não haverá tempo para os americanos consultarem os aliados antes de contra-atacar. A tomada de decisões ficaria em Washington. Alguém confia em Bush para conduzir uma guerra?


NELSON FRANCO JOBIM , jornalista e professor da UniverCidade, é editor do blog Vida Global e autor do livro " Bush 2: A Missão e outras reflexões sobre o mundo do século 21"


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