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São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

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GUERRA SEM LIMITES

Para Gunaratna, que tem livro sobre a rede, terror pode crescer em regiões menos visadas, inclusive na AL

Al Qaeda amplia leque de alvos, diz autor

OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO

Apesar de ter perdido cerca de dois terços de seus efetivos e de sua liderança estar sob intensa perseguição desde os atentados de 11 de setembro de 2001, a rede Al Qaeda intensificou sua colaboração com grupos terroristas associados e busca ampliar seu leque de alvos potenciais.
"É como uma colônia de abelhas: quando você ataca a colméia, as abelhas se dispersam e se reorganizam em outros locais", diz Rohan Gunaratna, autor do livro "Inside Al Qaeda - Global Network of Terror" (dentro da Al Qaeda - rede global do terror), da Columbia University Press.
Os atentados suicidas em Casablanca (Marrocos), no último dia 16, podem ser um exemplo dessa colaboração com grupos locais.
Segundo a Associated Press, com base em fontes do governo marroquino, os ataques -que mataram 29 pessoas, além de 12 terroristas- teriam sido idealizados e financiados pela Al Qaeda, que transferiu US$ 50 mil para contatos em Marrocos meses atrás. O restante da operação teria sido puramente marroquina.
Também há suspeitas de que os ataques em Riad (Arábia Saudita), que mataram 34 pessoas (inclusive nove suicidas) no dia 12, sejam de responsabilidade da rede terrorista de Osama bin Laden.
Segundo Gunaratna, os membros da Al Qaeda ainda ativos trabalharão cada vez mais com grupos em áreas menos visadas do mundo. "A América Latina, em especial a Tríplice Fronteira, não está imune ao terrorismo internacional", diz. Os EUA já alertaram para a existência de atividades ligadas ao terror na fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, mas o Brasil diz não ter indícios.
Originário do Sri Lanka, Rohan Gunaratna é pesquisador do Centro para o Estudo de Terrorismo e Violência Política da Universidade de St. Andrews (Escócia). Leia entrevista concedida por telefone de Cingapura (Sudeste Asiático).

Folha - Qual é sua avaliação sobre os resultados da guerra contra o terrorismo, liderada pelos EUA?
Gunaratna -
É um sucesso parcial. Os EUA, trabalhando com quase cem países, têm tido êxito em desmantelar a infra-estrutura da Al Qaeda. Em 98 países, quase 3.000 suspeitos de pertencer à rede foram presos, inclusive figuras-chave como Khalid Sheik Mohammed [suspeito de ser um dos principais organizadores dos ataques contra o World Trade Center e o Pentágono]. Osama bin Laden [líder máximo da rede] e Ayman al Zawahiri [número dois da organização] continuam vivos, mas, sob intensa perseguição, perderam o controle tático sobre os membros da organização.

Folha - Foi um prejuízo definitivo ou a rede se recuperará?
Gunaratna -
Será muito difícil substituir quadros tão experientes. Mas, a médio e a longo prazo, os membros da Al Qaeda passarão a trabalhar com grupos terroristas associados, ativos no Oriente Médio, na Ásia, na África e na Europa. Isso elevará a capacidade técnica desses grupos. Enquanto o coração da Al Qaeda está sob ataque no Paquistão e no Afeganistão, a periferia fica mais forte.

Folha - A Al Qaeda ganhou muito de sua fama porque atacou símbolos americanos, como o World Trade Center (duas vezes) e o Pentágono. A rede se contentará em atacar alvos menos impactantes?
Gunaratna -
Seu objetivo é atacar alvos simbólicos e estratégicos de grande prestígio. Pois quer sinalizar o caminho. Mas está muito difícil atacar nos EUA. Provavelmente veremos a rede operando contra um vasto leque de alvos. Membros experientes da Al Qaeda agem no Oriente Médio, no Cáucaso, nos Bálcãs, no Sudeste Asiático e na África. Mais grupos estão recebendo novas idéias e capacidades. Nem a América Latina está imune, pois a Al Qaeda tem presença na Tríplice Fronteira.

Folha - Que elementos o sr. tem para dizer isso?
Gunaratna -
Há informações de que células da Al Qaeda na Europa têm feito contatos com apoiadores na América Latina. A Tríplice Fronteira tem sido principalmente uma zona não operativa, que visa gerar financiamento e apoio. Serve de passagem de recursos originários dos EUA e destinados ao Oriente Médio. E existe um pequeno grau de apoio de simpatizantes. A escala desse apoio pode crescer, e as células podem passar por uma mutação.

Folha - Então a ameaça terrorista não está diminuindo?
Gunaratna -
Diminuiu a curto prazo, mas crescerá a médio e longo prazo. Inclusive porque os EUA focalizaram sua campanha principalmente no campo militar. Têm tido problemas em combater o financiamento do terrorismo, cujo fluxo de recursos é difícil de trilhar, e estão fracassando na guerra ideológica. Para impedir o crescimento do extremismo, é preciso trabalhar com os países islâmicos, seus líderes comunitários, educadores, organizações de mídia e ONGs. É preciso ganhar o apoio das pessoas. A guerra contra o Iraque não levou essa dimensão em consideração. Os EUA estão criando mais inimigos.

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