São Paulo, terça-feira, 25 de maio de 2004

Próximo Texto | Índice

IRAQUE OCUPADO

Em discurso, presidente reafirma devolução da soberania, mas diz que EUA manterão número de soldados

Bush promete demolir prisão e prevê caos

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

Acuado por uma queda sem precedentes em sua popularidade e pela situação de descontrole no Iraque, o presidente dos EUA, George W. Bush, prometeu ontem demolir a prisão iraquiana de Abu Ghraib e previu mais "dias de caos" no país ocupado.
No primeiro de uma série de discursos que fará nas próximas semanas, Bush defendeu a presença americana no Iraque e delineou um plano de cinco pontos para o país. O primeiro será a entrega do "controle soberano" a um governo iraquiano em 30 de junho próximo.
"A ação de nossos inimigos nas últimas semanas tem sido brutal. Temos dias difíceis pela frente, que parecem caóticos. Mas isso não vai interromper o nosso progresso no Iraque", disse Bush, sob aplausos, no Army War College, na Pensilvânia.
O discurso foi transmitido ao vivo pelas principais emissoras dos EUA e marcou o início da estratégia de Bush para tentar reverter um quadro altamente desfavorável a pouco mais de cinco meses da eleição americana.
"O Iraque é o "front" central na guerra contra o terrorismo e um recuo no país agora seria uma vitória do terror", disse Bush, tentando justificar a ação no Iraque, que vem lhe custando forte queda de popularidade.
"Nosso inimigos continuam buscando armas de destruição em massa e nosso sucesso no Iraque será o caminho para uma América mais estável", disse.
Pesquisa da rede CBS divulgada ontem revelou que apenas 41% dos americanos aprovam o governo Bush, um recorde de baixa. Há um ano, cerca de dois terços aprovavam seu trabalho.
Em relação ao Iraque, 61% se posicionaram contra o modo como os EUA estão lidando com a situação. Várias pesquisas divulgadas ontem por outros institutos mostram que a queda na popularidade de Bush é generalizada.
Os problemas no Iraque e os casos de tortura vêm se sobrepondo até às boas notícias que poderiam ajudar Bush, como a recuperação econômica e a criação de mais de 900 mil empregos neste ano.
Pior, Bush vem sendo associado a outras más notícias, como a alta da gasolina e das mensalidades de planos de saúde e escolas.
Com a promessa de demolir a prisão de Abu Ghraib, onde soldados norte-americanos torturaram iraquianos nos últimos meses, o presidente pretendeu dar uma resposta tanto à opinião pública do Iraque quanto à dos EUA, onde o caso ganhou forte predominância na mídia.
Bush afirmou também que os EUA manterão suas tropas no Iraque no nível atual (138 mil) o tempo que for necessário. "Se mais tropas forem necessárias, eu as enviarei", disse o presidente.
Bush descreveu cinco medidas para, segundo ele, ajudar o Iraque a alcançar liberdade e democracia: dar soberania ao governo provisório, ajudar a estabelecer a segurança no país, seguir o trabalho de reconstrução, estimular mais apoio internacional e garantir eleições nacionais livres.
"A tarefa da América não é apenas derrotar um inimigo, é fortalecer um governo livre, amigo e representativo que sirva ao seu povo e lute por ele", disse.
Nessa nova fase, afirmou Bush, os EUA esperam contar com mais apoio da comunidade internacional. "A despeito dos desentendimentos do passado, vários países têm demonstrado a intenção de nos ajudar no Iraque", disse, sem especificar quais.
Bush também enfatizou que os EUA vêm treinando e dando recursos à nova força de segurança iraquiana e afirmou que serão abertas representações diplomáticas em várias cidades do Iraque.
Segundo analistas ouvidos pela Folha, os EUA deveriam agora internacionalizar o processo de transição e se afastar o mais que puderem do novo governo que será apontado pelas Nações Unidas nas próximos semanas.
"A verdade é que perdemos o controle. Qualquer que seja o plano, será apenas teoria, pois a situação no país e de falência", disse Kenneth Pollack, diretor de pesquisas do Instituto Brookings e ex-analista da CIA.
Shibley Telhami, especialista em Oriente Médio da Universidade de Maryland, diz que os EUA estão hoje em "uma situação de absoluto descrédito".
"Todas as premissas para a guerra foram reveladas falsas, até mesmo a de que os EUA livraram os iraquianos de um sádico torturador (Saddam Hussein). Até isso ruiu após Abu Ghraib", afirmou.


Próximo Texto: Abu Ghraib
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.