São Paulo, domingo, 25 de maio de 2008

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Um ano depois, crise da RCTV se perpetua em ecos políticos

Decisão enfraqueceu confiança popular em Chávez e projetou líderes estudantis

Levado para o cabo, popular canal oposicionista cuja não-renovação da licença levou dezenas de milhares às ruas em 2007 perde força

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Hugo Chávez perdeu sua primeira eleição em nove anos. A RCTV desapareceu de boa parte do país e continua com equipamentos sob custódia militar. Sua substituta, a estatal Tves, não é vista por quase ninguém. E os líderes estudantis que puxaram os protestos pela licença da TV opositora deixaram as ruas para arriscar vôos mais altos. Um ano depois, a decisão de pôr fim às transmissões de um dos canais mais populares da Venezuela continua ecoando na dinâmica política do país.
"É como um casamento de nove anos em que a mulher confiava plenamente no marido e descobre um "affair". Ela perdoa o marido, mas não assina mais cheque em branco. Isso é uma mudança substancial na conexão de Chávez com a massa", diz Luis Vicente León, diretor do instituto de pesquisa Datanálisis, sobre a primeira vez em que o presidente tomou uma decisão sem ter o respaldo da maioria da opinião pública.
Chávez anunciou que não renovaria a concessão da RCTV em dezembro de 2006, semanas depois de ter sido facilmente reeleito com 63% dos votos. No cálculo do governo, era a hora de retaliar a emissora oposicionista que havia participado ativamente no golpe de Estado de abril de 2002.
O governo começou a perceber que a decisão não era fácil à medida que o fim das transmissões se aproximava. Mas os protestos só explodiram depois de 27 de maio, quando o canal 2 deixou de ser da RCTV para abrigar a emissora estatal Tves.
Nas duas semanas seguintes, universitários saíram às ruas em Caracas e em diversas partes do país. Muitas vezes, houve enfrentamentos com a polícia chavista, com saldo de um morto e dezenas de feridos e presos.
Meses depois, mais organizados, os mesmos estudantes voltaram a protestar e enfrentar a polícia, desta vez contra a reforma constitucional proposta por Chávez, que introduziria a reeleição indefinida e acumularia ainda mais poderes com o Executivo. O projeto foi rejeitado em referendo por margem de 1,4 ponto percentual.
As marchas e a superexposição transformaram imediatamente as lideranças estudantis em novos ícones da oposição venezuelana, principalmente Stálin González e Yon Goicoechea, que agora tentam os primeiros passos na política.
O mais ambicioso é González. Aos 27 anos, está em plena campanha eleitoral como pré-candidato do UNT (Um Novo Tempo, centro) à Prefeitura de Libertador, principal município dos seis que formam Caracas e sede do governo.
Pesquisas do Datanálisis, no entanto, mostram que a população tem uma boa imagem dos estudantes, mas não vê González e outros líderes como alternativas imediatas em cargos de governador ou prefeito.
Já Goicoechea, 23, que quer se candidatar ao Congresso no ano que vem, recebeu neste mês US$ 500 mil pelo Prêmio Milton Friedman, concedido a cada dois anos pelo americano Cato Institute. Ao receber o prêmio, acusou Chávez de "totalitário", "messiânico" e "ditador", disse que "a prosperidade pode chegar à Venezuela, como já chegou aos EUA" e prometeu usar o dinheiro para criar um centro de formação de líderes.
O prêmio de um dos institutos mais conservadores dos EUA atraiu uma saraivada de críticas do chavismo contra Goicoecha. Na TV estatal VTV, o popular apresentador Mario Silva o apelidou de "Yon Medio Millón" e o acusou de lavar dinheiro para financiar um golpe.

Esvaziada
Atualmente só via cabo, a RCTV sofreu um duro impacto econômico. O faturamento caiu a um terço da época de sinal aberto, provocando a demissão de 1.200 funcionários dos cerca de 3.000 que a emissora tinha um ano atrás, segundo dados da empresa Além disso, até hoje não houve indenização pelos equipamentos arrestados para a Tves, a emissora estatal criada para substituir o canal oposicionista.
"São 52 torres, com antenas e transmissores, avaliadas em cerca de US$ 300 milhões. Dois dias antes do fechamento, essas instalações foram tomadas militarmente. Nosso pessoal foi desalojado. Um ano depois, os nossos funcionários não puderam se aproximar nem para buscar sua escova de dentes ou a foto da esposa", diz o vice-presidente de Informação da RCTV, Eduardo Sapene.
Na TV a cabo, a RCTV continua popular: segundo o instituto de pesquisa AGB, é a segunda emissora mais vista (10,3%). Mas sua imagem só chega a cerca de 30% dos lares -antes, a cobertura era quase nacional.
Já a Tves não está nem sequer entre as 20 mais assistidas. O fiasco foi admitido publicamente pelo próprio Chávez: "Quase ninguém a vê", disse em dezembro, quando anunciou uma revisão da política de comunicação do governo.


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