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Um ano depois, crise da RCTV se perpetua em ecos políticos
Decisão enfraqueceu confiança popular em Chávez e projetou líderes estudantis
Levado para o cabo, popular canal oposicionista cuja não-renovação da licença levou dezenas de milhares às ruas em 2007 perde força
FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS
Hugo Chávez perdeu sua primeira eleição em nove anos. A
RCTV desapareceu de boa parte do país e continua com equipamentos sob custódia militar.
Sua substituta, a estatal Tves,
não é vista por quase ninguém.
E os líderes estudantis que puxaram os protestos pela licença
da TV opositora deixaram as
ruas para arriscar vôos mais altos. Um ano depois, a decisão
de pôr fim às transmissões de
um dos canais mais populares
da Venezuela continua ecoando na dinâmica política do país.
"É como um casamento de
nove anos em que a mulher
confiava plenamente no marido e descobre um "affair". Ela
perdoa o marido, mas não assina mais cheque em branco. Isso
é uma mudança substancial na
conexão de Chávez com a massa", diz Luis Vicente León, diretor do instituto de pesquisa Datanálisis, sobre a primeira vez
em que o presidente tomou
uma decisão sem ter o respaldo
da maioria da opinião pública.
Chávez anunciou que não renovaria a concessão da RCTV
em dezembro de 2006, semanas depois de ter sido facilmente reeleito com 63% dos votos.
No cálculo do governo, era a
hora de retaliar a emissora oposicionista que havia participado ativamente no golpe de Estado de abril de 2002.
O governo começou a perceber que a decisão não era fácil à
medida que o fim das transmissões se aproximava. Mas os
protestos só explodiram depois
de 27 de maio, quando o canal 2
deixou de ser da RCTV para
abrigar a emissora estatal Tves.
Nas duas semanas seguintes,
universitários saíram às ruas
em Caracas e em diversas partes do país. Muitas vezes, houve
enfrentamentos com a polícia
chavista, com saldo de um morto e dezenas de feridos e presos.
Meses depois, mais organizados, os mesmos estudantes voltaram a protestar e enfrentar a
polícia, desta vez contra a reforma constitucional proposta
por Chávez, que introduziria a
reeleição indefinida e acumularia ainda mais poderes com o
Executivo. O projeto foi rejeitado em referendo por margem
de 1,4 ponto percentual.
As marchas e a superexposição transformaram imediatamente as lideranças estudantis
em novos ícones da oposição
venezuelana, principalmente
Stálin González e Yon Goicoechea, que agora tentam os primeiros passos na política.
O mais ambicioso é González. Aos 27 anos, está em plena
campanha eleitoral como pré-candidato do UNT (Um Novo
Tempo, centro) à Prefeitura de
Libertador, principal município dos seis que formam Caracas e sede do governo.
Pesquisas do Datanálisis, no
entanto, mostram que a população tem uma boa imagem dos
estudantes, mas não vê González e outros líderes como alternativas imediatas em cargos de
governador ou prefeito.
Já Goicoechea, 23, que quer
se candidatar ao Congresso no
ano que vem, recebeu neste
mês US$ 500 mil pelo Prêmio
Milton Friedman, concedido a
cada dois anos pelo americano
Cato Institute. Ao receber o
prêmio, acusou Chávez de "totalitário", "messiânico" e "ditador", disse que "a prosperidade
pode chegar à Venezuela, como
já chegou aos EUA" e prometeu
usar o dinheiro para criar um
centro de formação de líderes.
O prêmio de um dos institutos mais conservadores dos
EUA atraiu uma saraivada de
críticas do chavismo contra
Goicoecha. Na TV estatal VTV,
o popular apresentador Mario
Silva o apelidou de "Yon Medio
Millón" e o acusou de lavar dinheiro para financiar um golpe.
Esvaziada
Atualmente só via cabo, a
RCTV sofreu um duro impacto
econômico. O faturamento
caiu a um terço da época de sinal aberto, provocando a demissão de 1.200 funcionários
dos cerca de 3.000 que a emissora tinha um ano atrás, segundo dados da empresa Além disso, até hoje não houve indenização pelos equipamentos arrestados para a Tves, a emissora estatal criada para substituir
o canal oposicionista.
"São 52 torres, com antenas e
transmissores, avaliadas em
cerca de US$ 300 milhões. Dois
dias antes do fechamento, essas
instalações foram tomadas militarmente. Nosso pessoal foi
desalojado. Um ano depois, os
nossos funcionários não puderam se aproximar nem para
buscar sua escova de dentes ou
a foto da esposa", diz o vice-presidente de Informação da
RCTV, Eduardo Sapene.
Na TV a cabo, a RCTV continua popular: segundo o instituto de pesquisa AGB, é a segunda
emissora mais vista (10,3%).
Mas sua imagem só chega a cerca de 30% dos lares -antes, a
cobertura era quase nacional.
Já a Tves não está nem sequer entre as 20 mais assistidas. O fiasco foi admitido publicamente pelo próprio Chávez:
"Quase ninguém a vê", disse em
dezembro, quando anunciou
uma revisão da política de comunicação do governo.
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