São Paulo, terça-feira, 25 de maio de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O PAÍS SOROPOSITIVO

Suazilândia trata Aids com ervas e rezas

Em rara ocasião de concordância entre eles, governo e ONGs fazem reservas a práticas da medicina tradicional

Nos últimos dois anos, ONU, governo e ONGs capitularam ao poder de curandeiros, tolerando tratamento combinado


Stephane de Sakutin-27.out.09/France Presse
Paciente que teve diagnosticados HIV e tuberculose recebe medicamentos; 46% dos suazis entre 25 e 29 anos têm Aids

FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL À SUAZILÂNDIA

Mama Fátima promete "resultados rápidos" no tratamento de HIV. Tia Kaawa diz que seu método "é a resposta". Dr. Samba assegura a cura da Aids em quatro dias. Os três anúncios, ao lado de dezenas, ocupavam os classificados da edição de 18 de maio do "Times of Swaziland", maior jornal diário da Suazilândia.
O país ostenta o recorde negativo do maior índice de infectados por Aids no mundo (26,1% da população de 15 a 49 anos de idade).
Os anúncios são sinais de um fenômeno que, num caso raro de concordância entre governo e ONGs, atrapalha muito o combate da epidemia: o curandeirismo. Estima-se que 90% da população suazi consulte-se com "médicos tradicionais", cujas poções misturam ervas e rituais espirituais.
Para comunidades distantes de centros de saúde modernos, é a única alternativa. São cerca de 6.800 curandeiros em toda a Suazilândia, organizados na Associação dos Médicos Tradicionais. Seu presidente, Nhlavana Maseko, diz que os antirretrovirais sozinhos não ajudam a tratar a doença. "É uma estratégia tripartite: medicina moderna, medicina tradicional e poder espiritual. Só assim o tratamento funciona", diz ele, em frente a uma loja de ervas no mercado central de Manzini, a maior cidade do país.
A declaração pode ser vista como um avanço. Não faz muito tempo, os curandeiros faziam campanha contra as drogas modernas, apregoando que seriam "veneno".
Nos últimos dois anos, ONU, governo e ONGs capitularam ao poder dos médicos tradicionais e criaram uma estratégia ao estilo "se não pode vencê-los, junte-se a eles". Passaram a tolerar os rituais tradicionais, desde que os curandeiros, em contrapartida, encaminhassem os pacientes para clínicas modernas.
"Se querem rezar, rezem, mas que pelo menos depois encaminhem os doentes para um hospital", diz Siphiwe Hlophe, diretora da ONG Swaziland Positive Living.
As promessas de cura da Aids também sumiram do repertório de parte dos médicos tradicionais, embora não tenham desaparecido totalmente, como os anúncios classificados mostram.
Ainda assim, perde-se muito tempo com tratamentos sem eficácia comprovada. E muitos pacientes acabam achando que as ervas serão suficientes para aliviar os sintomas da Aids.
Além disso, os curandeiros continuam resistentes ao uso de preservativos. "Não é parte de nossa cultura. O homem aqui quer ter filhos. Ele vai ficar usando a camisinha até ficar velho?", diz Maseko.
Muito melhor, segundo ele, é investir na circuncisão, que reduz o risco de contaminação pela Aids. O problema, para ONGs, é que o risco não é eliminado, e o homem circuncidado acaba se descuidando do uso de camisinhas. Para os que vêm visitá-lo em busca de ajuda para tratar a Aids, Maseko receita uma poção. Feita de quê?
"Não revelo. Só digo no dia em que as farmacêuticas revelarem as fórmulas de seus remédios", declara.

Folha.com
Na zona rural, van de ONG faz as vezes de clínica

folha.com.br/1014411


Texto Anterior: Netanyahu marca para agosto sua visita ao Brasil
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.