São Paulo, domingo, 25 de junho de 2000


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ELEIÇÃO
Pesquisa indica vitória de partido governista, mas população se diz descontente com o governo e o sistema político
Japão leva sua insatisfação às urnas hoje

Associated Press
Outdoor em café no bairro de Shinjuku, em Tóquio, incentiva o comparecimento às urnas hoje


MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Tradicionalmente avessos a mudanças, os eleitores japoneses vão hoje às urnas em meio a um clima de insatisfação inédito contra o PLD (Partido Liberal Democrático), o grupo político que governa o país quase como um partido único desde 1955.
Mais de 1.400 candidatos disputam 480 vagas na câmara baixa do Parlamento (Dieta), a mais poderosa das duas casas do Legislativo.
Caso o PLD perca a maioria que tem e não consiga repetir sua velha prática de cooptar partidos de oposição para manter-se no poder, o Parlamento poderá pedir o voto de desconfiança do primeiro-ministro Yoshiro Mori, que ocupa o cargo desde abril, quando seu antecessor, Keizo Obuchi, sofreu um derrame cerebral, que o levou à morte em maio.
Pesquisas indicam a vitória do PLD entre a população que já decidiu o voto. Mas cerca de 40% do eleitorado ainda não escolheu candidato, segundo pesquisa do jornal "Asahi". Cerca de 70% deles dizem estar cansados do sistema partidário e insatisfeitos com o governo.
A insegurança do PLD com o resultado das eleições é tanta que o primeiro-ministro Mori recomendou aos indecisos, na última quarta-feira, que não votem, numa de suas maiores gafes desde que assumiu o cargo. "Dizem que 40% dos eleitores ainda estão indecisos. Essas pessoas que não estão interessadas deveriam ficar em suas camas", disse ele.
Com um eleitorado chegando a 100 milhões, numa população de 126,4 milhões de habitantes, Mori simplesmente sugeriu que 40 milhões de pessoas não votem no pleito de hoje.
"É impossível prever o resultado dessas eleições", disse à Folha Take Hideo, professor de ciência política da Universidade de Kyoto. "Apesar da revolta do eleitorado contra o sistema, a população teme ousar porque sabe que houve poucas oportunidades de julgar como um governo alternativo funcionaria no Japão."
Desde que foi criado, em 1955, pelos "arquitetos institucionais" que implantaram a democracia ocidental no Japão depois da derrota do país na Segunda Guerra Mundial (1939-45), o PLD saiu totalmente do poder uma única vez, por um ano, entre 93 e 94.
No entanto, há ingredientes para uma surpresa. A prolongada crise econômica no Japão, a mudança nos costumes da população urbana e a morte recente de líderes importantes do PLD transformam o momento na pior crise institucional e de liderança política do país no pós-guerra.
Além da perda de Obuchi, a liderança do PLD também ficou seriamente debilitada com a morte do ex-premiê Noburo Takeshita, na segunda-feira passada.
Takeshita liderava a mais poderosa facção dentro do PLD e era um dos caciques do partido. Ele governou o país entre 1987 e 1989 e escolheu, nos bastidores, três premiês japoneses nos anos 90 -incluindo o próprio Obuchi.
O PLD está visivelmente enfraquecido, mas as pesquisas não mostram sinais de que a oposição, um grupo heterogêneo formado por seis partidos, esteja se beneficiando de sua debilidade e da insatisfação da população.
Embora tenha líderes mais "confiáveis" e jovens que os do PLD, o Partido Democrático do Japão, formado em 1996 por políticos de partidos extintos, não tem conseguido atrair o eleitorado urbano com sua proposta impopular de aumentar os impostos como única forma de sair da crise econômica.
O PLD contra-atacou prometendo basicamente o inverso: dinheiro público para investimentos em obras de infra-estrutura e de construção civil.
A economia sempre foi a força do partido. O sucesso do PLD, desde 1955, esteve sempre vinculado ao milagre econômico japonês. Foi esse milagre -e a ajuda dos EUA- que tirou o país da destruição moral e econômica e o transformou na segunda maior potência econômica do mundo.
Recentemente, o PLD perdeu o apelo que tinha e sua imagem ficou associada à recessão persistente. O desemprego inédito de cerca de 5% e o recorde de suicídios entre empresários têm exposto as mazelas do país. A população parece desconfortável.
"Mas não é fácil tirar o PLD do governo enquanto o modelo parlamentarista e o sistema eleitoral não forem alterados", disse Minoru Morita, um dos mais respeitados analistas políticos do país.
O sistema eleitoral japonês tem algumas das distorções similares às do brasileiro. O poder do eleitor nos centros urbanos vale menos da metade do poder do eleitor rural. Como agravante, o eleitor japonês não se identifica com o sistema eleitoral. Muitos o consideram "importado" do Ocidente. Além disso, o sistema distrital quase puro favorece a política clientelista do PLD.
Com a derrota dos japoneses na Segunda Guerra, uma nova Constituição foi adotada sob influência e supervisão dos Estados Unidos. Entre outras inovações democráticas, como o direito ao voto das mulheres, os norte-americanos empurraram também para os japoneses formas de garantir a estabilidade política.
Para isso, os EUA promoveram a criação do PLD em 1955, durante a Guerra Fria, com o objetivo de promover o sistema capitalista e aproximar os dois países.


O jornalista Marcio Aith foi correspondente da Folha em Tóquio de 98 a 99


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