São Paulo, domingo, 25 de junho de 2000


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"NOVA IGREJA"
John Shelby Spong escreve para o theposition.com, provocando protestos de fiéis e intenso debate na mídia
Bispo dá conselhos em site pornô dos EUA

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

O site se chama The Position (www.theposition.com) e trata de sexo. Só sexo. Muito sexo. Há uma seção chamada "Sete Dias no Sexo". Uma outra lista as cem pessoas mais poderosas na indústria sexual (Madonna e Marylin Manson entre elas).
Um artigo de capa, sobre prostituição entre lésbicas, é intitulado "Quatro peitos são melhores que dois". Logo abaixo dele, com igual destaque, lê-se "Os Dez Mandamentos Eram Preconceituosos Sexualmente?"
Quem assina é um certo bispo John Shelby Spong. Que não só existe como é respeitado, esteve à frente da Igreja Anglicana de Newark, em Nova Jersey, por 24 anos -até o mês de janeiro-, tem 68 anos e dá aula na prestigiosa Universidade Harvard.
O "bispo pornô", como vem sendo chamado pela imprensa local, aceitou o convite de escrever para o site no começo deste mês. Desde então, esteve em talk-shows na TV, em debates nos jornais e respondendo a uma chuva de protestos de fiéis.
Nada que ele não tenha visto antes. É de sua autoria o best-seller "Living in Sin? A Bishop Rethinks Human Sexuality" (Vivendo em Pecado? Um Bispo Repensa a Sexualidade Humana, 100 mil exemplares vendidos, Harper, 1990) e mais 15 outros títulos.
Todos com nomes provocativos ("Resgatando a Bíblia do Fundamentalismo", "Por que o Cristianismo Tem de Mudar - Ou Morrer" são alguns deles), todos campeões de vendas.
Spong falou à Folha nesta semana por telefone de sua casa, em Newark, uma das maiores comunidades brasileiras dos EUA. "Um dos meus vizinhos é um rodízio brasileiro", disse ele. "Aquilo sim é o festival da carne." Leia trechos abaixo:

Folha - Dois de seus colegas no site The Position são a ex-atriz pornô Annie Sprinkle e Gui Gonzales, dono de um peep-show. Um dos links da página principal é para um strip-tease ao vivo. Como o sr. concilia pornô e religião?
John Shelby Spong -
Escrevo artigos sobre sexo e religião há muito tempo. Quem me conhece sabe que sou provocador. Quando o pessoal do site me convidou a participar, achei que seria mais uma maneira de levar minhas idéias ao grande público, num lugar sério, proposto a discutir questões da sexualidade. Eles têm um advogado, um sexólogo, queriam alguém ligado à religião. E é um público imenso.

Folha - Como foram as reações dos fiéis?
Spong -
Não forço nenhum fiel a frequentar o site. Recebi algumas poucas cartas dizendo que eu queimaria no inferno. Pessoas reclamaram: "Mas, bispo, suas palavras vão estar ao lado de mulheres nuas!".
Respondi que, se era esse o problema, colocaria algum quadro da época do Renascimento que retratasse Adão e Eva nus, para entrar no clima. O problema está em quem lê, não em quem escreve.

Folha - Mas o sr. acha que é mesmo o fórum adequado?
Spong -
Jesus disse para irmos atrás das ovelhas desgarradas, não das que estão no pasto. Quer lugar melhor?

Folha - Por que o sr. não está mais à frente da igreja de Newark?
Spong -
Você está pensando que fui forçado a me aposentar por conta de minhas posições, algo assim?

Folha - Sim.
Spong -
Não foi o caso. Estive à frente da igreja por 24 anos e tenho quase 69 agora. Estou cansado. Na festa de minha despedida, 2.000 fiéis compareceram. Sou conselheiro ainda hoje. Sou muito querido pela comunidade.

Folha - Seu artigo de estréia no site pergunta se os dez mandamentos discriminam as mulheres. Discriminam?
Spong -
Sim. Eles foram escritos num período em que a mulher era encarada como uma propriedade, não como uma pessoa. Um dos mandamentos é muito claro: diz que você não deve cobiçar a mulher do próximo, assim como seu gado, seu cavalo e suas outras posses.
Os mandamentos refletiam a época e o espaço em que foram criados. Como levar ao pé da letra "Não matarás" hoje em dia, com questões como a eutanásia, que era algo que não existia na época, uma vez que não havia meios artificiais de se manter a vida? Há que se debater. E o aborto provocado, por exemplo?

Folha - Mas o Novo Testamento veio para revogar todos os mandamentos, não?
Spong -
Sim, Jesus disse que se seguíssemos só os mandamentos de amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a nós mesmos, todo o resto poderia ser esquecido. Faz muito mais sentido para mim.

Folha - Na sua opinião, as grandes igrejas hoje estão mais comprometidas com o Velho ou com o Novo testamento?
Spong -
Acho que as pessoas estão confusas, e as igrejas, perdidas. Sempre vai haver erro se levarmos o texto da Bíblia ao pé da letra, e é o que mais eu vejo as religiões fazendo hoje em dia.

Folha - A Bíblia toca muito eventualmente nos temas que o sr. trata com profundidade na coluna, e sempre legislando pelo limite. Para o sr., há limites para o sexo?
Spong -
Não. Acho que o sexo é sagrado e é maravilhoso. Mas há erros. É errado se qualquer pessoa é machucada numa relação, por exemplo. Se você é uma prostituta e faz sexo com 20 parceiros por noite, acho errado. Se você é um homossexual e tem cem parceiros diferentes num ano, também acho errado.
No resto dos casos, sexo é a mais bela expressão entre dois indivíduos. Para mim, que sou heterossexual, será entre mim e minha mulher. Para pessoas que eu conheço que são gays, será entre eles e seus parceiros.

Folha - Esta é sua posição como bispo ou como homem?
Spong -
Os dois são indissociáveis.


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