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"NOVA IGREJA"
John Shelby Spong escreve para o theposition.com, provocando protestos de fiéis e intenso debate na mídia
Bispo dá conselhos em site pornô dos EUA
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
O site se chama The Position
(www.theposition.com) e trata de
sexo. Só sexo. Muito sexo. Há
uma seção chamada "Sete Dias no
Sexo". Uma outra lista as cem
pessoas mais poderosas na indústria sexual (Madonna e Marylin
Manson entre elas).
Um artigo de capa, sobre prostituição entre lésbicas, é intitulado
"Quatro peitos são melhores que
dois". Logo abaixo dele, com igual
destaque, lê-se "Os Dez Mandamentos Eram Preconceituosos
Sexualmente?"
Quem assina é um certo bispo
John Shelby Spong. Que não só
existe como é respeitado, esteve à
frente da Igreja Anglicana de Newark, em Nova Jersey, por 24 anos
-até o mês de janeiro-, tem 68
anos e dá aula na prestigiosa Universidade Harvard.
O "bispo pornô", como vem
sendo chamado pela imprensa local, aceitou o convite de escrever
para o site no começo deste mês.
Desde então, esteve em talk-shows na TV, em debates nos jornais e respondendo a uma chuva
de protestos de fiéis.
Nada que ele não tenha visto antes. É de sua autoria o best-seller
"Living in Sin? A Bishop Rethinks
Human Sexuality" (Vivendo em
Pecado? Um Bispo Repensa a Sexualidade Humana, 100 mil
exemplares vendidos, Harper,
1990) e mais 15 outros títulos.
Todos com nomes provocativos
("Resgatando a Bíblia do Fundamentalismo", "Por que o Cristianismo Tem de Mudar - Ou Morrer" são alguns deles), todos campeões de vendas.
Spong falou à Folha nesta semana por telefone de sua casa, em
Newark, uma das maiores comunidades brasileiras dos EUA. "Um
dos meus vizinhos é um rodízio
brasileiro", disse ele. "Aquilo sim
é o festival da carne." Leia trechos
abaixo:
Folha - Dois de seus colegas no site The Position são a ex-atriz pornô
Annie Sprinkle e Gui Gonzales, dono
de um peep-show. Um dos links da
página principal é para um strip-tease ao vivo. Como o sr. concilia
pornô e religião?
John Shelby Spong - Escrevo artigos sobre sexo e religião há muito tempo. Quem me conhece sabe
que sou provocador. Quando o
pessoal do site me convidou a
participar, achei que seria mais
uma maneira de levar minhas
idéias ao grande público, num lugar sério, proposto a discutir
questões da sexualidade. Eles têm
um advogado, um sexólogo, queriam alguém ligado à religião. E é
um público imenso.
Folha - Como foram as reações
dos fiéis?
Spong - Não forço nenhum fiel a
frequentar o site. Recebi algumas
poucas cartas dizendo que eu
queimaria no inferno. Pessoas reclamaram: "Mas, bispo, suas palavras vão estar ao lado de mulheres
nuas!".
Respondi que, se era esse o problema, colocaria algum quadro da
época do Renascimento que retratasse Adão e Eva nus, para entrar no clima. O problema está em
quem lê, não em quem escreve.
Folha - Mas o sr. acha que é mesmo o fórum adequado?
Spong - Jesus disse para irmos
atrás das ovelhas desgarradas,
não das que estão no pasto. Quer
lugar melhor?
Folha - Por que o sr. não está mais
à frente da igreja de Newark?
Spong - Você está pensando que
fui forçado a me aposentar por
conta de minhas posições, algo
assim?
Folha - Sim.
Spong - Não foi o caso. Estive à
frente da igreja por 24 anos e tenho quase 69 agora. Estou cansado. Na festa de minha despedida,
2.000 fiéis compareceram. Sou
conselheiro ainda hoje. Sou muito
querido pela comunidade.
Folha - Seu artigo de estréia no site pergunta se os dez mandamentos discriminam as mulheres. Discriminam?
Spong - Sim. Eles foram escritos
num período em que a mulher era
encarada como uma propriedade,
não como uma pessoa. Um dos
mandamentos é muito claro: diz
que você não deve cobiçar a mulher do próximo, assim como seu
gado, seu cavalo e suas outras
posses.
Os mandamentos refletiam a
época e o espaço em que foram
criados. Como levar ao pé da letra
"Não matarás" hoje em dia, com
questões como a eutanásia, que
era algo que não existia na época,
uma vez que não havia meios artificiais de se manter a vida? Há que
se debater. E o aborto provocado,
por exemplo?
Folha - Mas o Novo Testamento
veio para revogar todos os mandamentos, não?
Spong - Sim, Jesus disse que se
seguíssemos só os mandamentos
de amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a
nós mesmos, todo o resto poderia
ser esquecido. Faz muito mais
sentido para mim.
Folha - Na sua opinião, as grandes igrejas hoje estão mais comprometidas com o Velho ou com o
Novo testamento?
Spong - Acho que as pessoas estão confusas, e as igrejas, perdidas. Sempre vai haver erro se levarmos o texto da Bíblia ao pé da
letra, e é o que mais eu vejo as religiões fazendo hoje em dia.
Folha - A Bíblia toca muito eventualmente nos temas que o sr. trata
com profundidade na coluna, e
sempre legislando pelo limite. Para o sr., há limites para o sexo?
Spong - Não. Acho que o sexo é
sagrado e é maravilhoso. Mas há
erros. É errado se qualquer pessoa
é machucada numa relação, por
exemplo. Se você é uma prostituta
e faz sexo com 20 parceiros por
noite, acho errado. Se você é um
homossexual e tem cem parceiros
diferentes num ano, também
acho errado.
No resto dos casos, sexo é a mais
bela expressão entre dois indivíduos. Para mim, que sou heterossexual, será entre mim e minha
mulher. Para pessoas que eu conheço que são gays, será entre eles
e seus parceiros.
Folha - Esta é sua posição como
bispo ou como homem?
Spong - Os dois são indissociáveis.
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