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ARTIGO
Por que o Líbano?
Estandarte da tolerância religiosa, Beirute renascia de uma guerra interminável e irradiava auto-estima para o país
ALFREDO COTAIT NETO
Há pouco mais de um mês estávamos no Líbano. Mais um
grupo de brasileiros usufruía
maravilhado do melhor que a
terra tem a oferecer: hospitalidade sem igual, delícias culinárias, luxuosa e animada vida social, belezas naturais, riqueza
arqueológica. Na bagagem de
volta, uma verdadeira lição de
vida.
Uma década antes, e lá não
havia pedra sobre pedra. O país
saía de uma interminável guerra dos outros empreendida em
seu próprio quintal. Porém, das
ruínas a cidade pouco a pouco
renascia. Do centro recuperado
de Beirute irradiava-se a reconstrução de todo o país e de
sua auto-estima. Seu primeiro-ministro empreendedor personificava a monumental iniciativa. Rafik Hariri entrou para a
posteridade como grande realizador, estadista, filantropo. Para isso, saiu da vida. Outra vez
por obra de interesses alheios.
Os primeiros dias do verão libanês traziam bons presságios
neste ano. Esperava-se nada
menos que 1,6 milhão de turistas que lotariam hotéis, cafés e
restaurantes, caminhariam em
absoluta segurança dia ou noite
pelos calçadões do Solidere.
Anunciava-se um grande espetáculo da lendária Feyrouz em
comemoração ao cinqüentenário do não menos emblemático
Festival de Baalbeck. Não haveria de ser.
Único Estado laico do Oriente Médio, o Líbano é, por definição, estandarte do convívio
harmonioso de diferentes confissões, das dezenas que lá existem. Eis um lugar em que intolerância religiosa não passa de
falácia, mesmo assim caluniosamente apontada como gênese de todos os males.
Difícil imaginar a placidez
das encostas do Monte Líbano
perturbada por explosões, pelo
zunir dos artefatos de morte.
Num passe maquiavélico, lá se
foram as tardes interminavelmente bucólicas dos pastores e
seus rebanhos. Lá se foram as
reuniões na varanda da casa de
pedra, em pleno vale do Bekaa,
onde vivem cerca de 70 mil brasileiros. Lá se foi o agito cosmopolita e sofisticado da capital.
Lá se foram os turistas. Lá se foi
o verão. Muitos verões, talvez.
Expoente acadêmico do
Oriente, o Líbano é bastião da
francofonia pós-imperial. O
amor pela França só encontra
rival no Brasil que ajudou a
construir. E assim torceu por
nós e contra seu histórico protetor na final da Copa de 98, fato repetido há poucas semanas.
Num passe apocalíptico, as cores brasileiras que até há pouco
decoravam incontáveis casas e
prédios desse pitoresco país-fazenda hoje não passam de fragmentos chamuscados e perdidos nos escombros do que um
dia foram vidas e sonhos.
Invasões, incêndios, terremotos. Beirute foi destruída e
reconstruída à média de uma
vez por século. Um pingado de
anos desta vez. Como atravessar de novo os espinhos dessa
estrada? Embora a autodeterminação do povo seja férrea e
dispense novas comprovações,
a conta será enorme. O caminho promete ser árduo e longo.
Mal alçávamos vôo. Em cinco
anos de trabalho, a Câmara de
Comércio Brasil-Líbano testemunhou a gradual retomada do
País dos Cedros, desde as cinzas, de volta à Suíça do Oriente
de outrora. Na última visita, em
maio, os resultados não deixaram dúvidas. Milhões em negócios compromissados, outras
tantas perspectivas e mais brasileiros encantados com o lugar. Jamais imaginaríamos o
que estava por vir.
Do outro lado do mundo sem
fronteiras, longe só estão as
respostas às perguntas que nos
tiram o sono. A tragédia é tão
deles quanto nossa, do mundo
inteiro. Tudo o que sabemos é a
necessidade de encher os pulmões, fazer algo. É preciso fazer com que cessem imediatamente os ataques ao Líbano.
Urge prestar assistência humanitária e impedir uma calamidade ainda maior.
Alguém enfim haverá de ouvir, largar a mera retórica e partir misericordiosamente em
socorro desse pequenino país
que, de tão belo e intenso, João
Paulo II um dia batizou como
"país-mensagem". Ironia das
ironias, é nos consolados que
encontramos nós próprios consolo. Em meio ao caos, a população do Líbano ainda encontra
forças para confortar o primo
distante ao dizer: "reconstruiremos tudo outra vez".
ALFREDO COTAIT NETO , 59, empresário, é presidente da Câmara de Comércio Brasil-Líbano e
vice-presidente da Associação Comercial de São
Paulo (ACSP).
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