São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 2008

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ARTIGO

Revertendo o antiamericanismo

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

O discurso que Barack Obama fez ontem em frente à Coluna da Vitória, em Berlim, deve entrar para a história menos por seu conteúdo do que pelo que simboliza. Ao levar 200 mil pessoas às ruas para ouvir um dos candidatos à sucessão presidencial de um outro país, o senador democrata marcou o início da virada do sentimento antiamericano que bate índices recordes e domina a Europa desde pelo menos 2002.
Naquela época, nos meses que antecederam a decisão de George W. Bush de invadir o Iraque, também milhares foram às ruas, em Berlim, Londres, Paris. Os cartazes que levavam então eram palavras de ordem de raiva, como "morte ao imperialismo", "não à guerra". Agora, a praça da primeira parada européia do candidato foi tomada por outro tom: "esperança", "hope", de seu slogan. Seis anos depois, o Hussein de Saddam deu lugar ao Hussein de Barack.
E o que foi ouvir o berlinense, e, por extensão, o alemão e o europeu? A visão de um mundo com uma conformação diferente da deixada por mais de sete anos de Bush, Cheney, Rumsfeld, Rove e companhia. Sem prisões especiais, "waterboarding", escuta ilegal, "privilégios executivos", Guantánamo, guerra preventiva.
Em vez disso, Obama falava sobre a necessidade de os EUA e a Europa olharem para "além de si mesmos", de se derrubar os diversos muros construídos desde a Guerra Fria, "contra os imigrantes ou entre muçulmanos, judeus e cristãos, brancos e negros", da "união transatlântica". Foram 27 minutos, interrompidos mais de 30 vezes para aplausos. Era uma "love parade", um desfile de amor, no título do site noticioso conservador Drudge Report.
Paradoxalmente, tamanho amor europeu pode custar pontos ao candidato em casa. Como disse um assessor de seu oponente, o republicano John McCain, a obamania européia ajuda a reforçar as cores elitistas do candidato diante do eleitor de pouca instrução da chamada "América Profunda". É o mesmo que ele ofendera anteriormente numa gafe gravada num evento de arrecadação, durante as primárias, e que ainda o olha desconfiado.
"Ser visto como o mascote da Europa é a última coisa de que um candidato presidencial precisa -principalmente um que necessita apagar sua imagem de elitista junto aos operários brancos norte-americanos", escreveu o britânico "Guardian" em editorial. Esse será exatamente o ponto que a campanha de McCain reforçará agora, como antídoto ao sucesso da viagem do oponente.
Já a campanha de Obama baterá na tecla de que o candidato saiu dos EUA um senador bem-intencionado em política externa e voltará um estadista consagrado. Exagero de ambos os lados, claro. De qualquer modo, pode-se argumentar que qualquer candidato da oposição a Bush seria aplaudido em Berlim ontem; poucos além de Obama levariam dezenas de milhares a um transe coletivo.


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