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ARTIGO
Revertendo o antiamericanismo
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
O discurso que Barack Obama fez ontem em frente à Coluna da Vitória, em Berlim, deve
entrar para a história menos
por seu conteúdo do que pelo
que simboliza. Ao levar 200 mil
pessoas às ruas para ouvir um
dos candidatos à sucessão presidencial de um outro país, o senador democrata marcou o início da virada do sentimento antiamericano que bate índices
recordes e domina a Europa
desde pelo menos 2002.
Naquela época, nos meses
que antecederam a decisão de
George W. Bush de invadir o
Iraque, também milhares foram às ruas, em Berlim, Londres, Paris. Os cartazes que levavam então eram palavras de
ordem de raiva, como "morte
ao imperialismo", "não à guerra". Agora, a praça da primeira
parada européia do candidato
foi tomada por outro tom: "esperança", "hope", de seu slogan. Seis anos depois, o Hussein de Saddam deu lugar ao
Hussein de Barack.
E o que foi ouvir o berlinense,
e, por extensão, o alemão e o
europeu? A visão de um mundo
com uma conformação diferente da deixada por mais de
sete anos de Bush, Cheney,
Rumsfeld, Rove e companhia.
Sem prisões especiais, "waterboarding", escuta ilegal, "privilégios executivos", Guantánamo, guerra preventiva.
Em vez disso, Obama falava
sobre a necessidade de os EUA
e a Europa olharem para "além
de si mesmos", de se derrubar
os diversos muros construídos
desde a Guerra Fria, "contra os
imigrantes ou entre muçulmanos, judeus e cristãos, brancos e
negros", da "união transatlântica". Foram 27 minutos, interrompidos mais de 30 vezes para aplausos. Era uma "love parade", um desfile de amor, no
título do site noticioso conservador Drudge Report.
Paradoxalmente, tamanho
amor europeu pode custar pontos ao candidato em casa. Como disse um assessor de seu
oponente, o republicano John
McCain, a obamania européia
ajuda a reforçar as cores elitistas do candidato diante do eleitor de pouca instrução da chamada "América Profunda". É o
mesmo que ele ofendera anteriormente numa gafe gravada
num evento de arrecadação,
durante as primárias, e que ainda o olha desconfiado.
"Ser visto como o mascote da
Europa é a última coisa de que
um candidato presidencial precisa -principalmente um que
necessita apagar sua imagem
de elitista junto aos operários
brancos norte-americanos",
escreveu o britânico "Guardian" em editorial. Esse será
exatamente o ponto que a campanha de McCain reforçará
agora, como antídoto ao sucesso da viagem do oponente.
Já a campanha de Obama baterá na tecla de que o candidato
saiu dos EUA um senador bem-intencionado em política externa e voltará um estadista consagrado. Exagero de ambos os
lados, claro. De qualquer modo,
pode-se argumentar que qualquer candidato da oposição a
Bush seria aplaudido em Berlim ontem; poucos além de
Obama levariam dezenas de
milhares a um transe coletivo.
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