São Paulo, domingo, 25 de julho de 2010

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Com programa em farsi, Israel ganha ouvintes no Irã

Programa transmitido de Jerusalém no idioma iraniano tem audiência cativa na República Islâmica, para desgosto do regime

MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM

Transmitido de um pequeno estúdio em Jerusalém -provavelmente um dos poucos lugares do mundo em que bandeiras de Israel e do Irã convivem em harmonia-, um programa de rádio faz semanalmente o que parece impossível: conecta iranianos e israelenses.
Para desgosto dos líderes do regime iraniano, o serviço em farsi da rádio pública de Israel conquistou audiência considerável no Irã, onde internet, TV e outras mídias estão sob censura.
O incômodo chegou a tal ponto que o líder supremo do país, Ali Khamenei, disse em sermão que a "rádio sionista" incita divisões entre o povo e a República Islâmica.
Menashe Amir, um israelense nascido no Irã que apresenta o programa há 50 anos, não disfarça o sorriso orgulhoso ao falar sobre a penetração que suas palavras alcançam no país.
Ele conta que, há anos, parou de telefonar para o Irã, porque sua voz se tornou conhecida e poderia colocar em apuros suas fontes, caso o regime estivesse grampeando a ligação. "Mas conseguimos fazer um noticiário bastante abrangente sobre o que acontece no Irã, e os iranianos reconhecem que somos bastante confiáveis."
O programa em farsi do Kol Israel, serviço público israelense de rádio, teve início em 1957, quando o então premiê, David Ben-Gurion, apostava numa aliança estratégica com Irã, Turquia e Etiópia.
Amir, que chegou ao programa três anos depois, lembra que, na época, Israel e Irã mantinham sólidas relações diplomáticas e que o objetivo do serviço em farsi era aproximar os dois países.
Tudo mudou com a Revolução Islâmica, em 1979, quando Israel passou a ser satanizado pelo regime iraniano. "Nosso papel sofreu uma mudança de 180 graus", conta Amir. "Passamos a mostrar aos iranianos o que acontece no país deles."
O radialista não gosta da palavra propaganda, que para ele exala um odor de lavagem cerebral soviética.
Descreve seu programa como algo entre o jornalismo e a diplomacia pública, e não hesita em reconhecer que seu papel é defender as posições de Israel. Mas insiste em que seu maior objetivo continua a ser a aproximação bilateral. "Irã e Israel são aliados naturais, e espero que voltem a ser amigos."
Amir lembra uma entrevista concedida nos anos 1980 pela mulher do aiatolá Khomeini em que ela dizia que o pai da Revolução Islâmica não perdia seu programa.
Hoje, estima que a audiência no Irã esteja entre 2 milhões e 6 milhões, algo difícil de comprovar.

NO AR
A Folha acompanhou a transmissão de um programa de domingo, quando ouvintes falam por telefone com Amir. Como a ligação entre os dois países é impossível, os ouvintes que vivem no Irã usam um número na Alemanha, que direciona as chamadas para o pequeno estúdio de Jerusalém.
"Ouvimos gente contra e a favor do regime", diz Amir, 70, homem de fala e modos suaves, no estúdio decorado com recortes de artistas iranianos e caricaturas do presidente Mahmoud Ahmadinejad. "A única coisa que não permitimos é que falem contra qualquer religião."
Para ele, a aplicação de sanções que paralisem totalmente o regime iraniano é a única forma de derrubar o regime atual. Ele calcula que ao menos 60% dos iranianos são contra o atual governo.
"Percebo muito desespero nas pessoas que ligam para o programa, porque a repressão é inclemente", diz Amir. "Mas acho que a maioria aguentaria sanções dolorosas se isso significasse o fim do regime."


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