São Paulo, sexta-feira, 25 de agosto de 2006

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Mea-culpa aumenta crise em Israel

Chefe militar admite falhas na guerra contra o Hizbollah, enquanto o governo sofre onda de críticas

Reservistas pedem a cabeça do primeiro-ministro e abertura de investigação em meio a sensação de fracasso após a ofensiva


MICHEL GAWENDO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM JERUSALÉM

Somente ontem, dez dias depois de declarado o cessar-fogo e de crescentes críticas à cúpula militar e ao governo, o comandante do Exército israelense, Dan Halutz, admitiu erros na condução da ofensiva contra o Hizbollah.
Também ontem, o primeiro-ministro Ehud Olmert anunciou a liberação de US$ 2 bilhões para recuperar e desenvolver o norte do país, que foi atingido por cerca de 4.000 foguetes durante o conflito.
Mas o mea-culpa do general e as promessas do premiê parecem ter chegado tarde demais. O final do que é visto em Israel como a primeira fase da guerra contra o grupo terrorista Hizbollah mergulhou o país em clima de instabilidade política e, pior, desconfiança em relação à mítica capacidade do Exército de defender o país.

Fim do consenso
O consenso em torno de uma guerra considerada justa dissipou-se rapidamente em meio à sensação de confusão e fracasso militar, falta de apoio do governo à população do norte do país e trocas de acusações.
O cenário ficou mais grave com a renúncia do ministro da Justiça, Chaim Ramon, político próximo de Olmert, depois de ser acusado de assédio sexual. E o presidente do país, Moshé Katsav, figura simbólica, está sendo acusado de estupro por uma ex-funcionária.
"A crise é muito profunda. O governo não vai se sustentar da maneira como está formado. E a grande pergunta é se o Exército errou muito, ou se tentou de tudo e mesmo assim não conseguiu vencer. As pessoas estão achando que não conseguiu", diz Alberto Spectorovksy, professor de Ciências Políticas da Universidade de Tel Aviv.
O premiê tentou conter a crise montando uma comissão independente, apontada pelo ministro da Defesa, Amir Peretz, para avaliar a condução política e militar do conflito, que não atingiu os resultados anunciados pelo governo: os soldados seqüestrados pelo Hizbollah não foram libertados e o grupo xiita continua sendo uma ameaça na fronteira norte, com apoio do Irã e agora com perigo de envolvimento da Síria.
A comissão, formado por ex-militares de alta patente e empresários, não deu certo. Foi dissolvida depois de duas reuniões e agora é muito provável a criação de uma investigação oficial, no Parlamento.
Enquanto o premiê tenta ganhar tempo nos incêndios com comissões parlamentares, as chamas parecem fugir do controle nas ruas.
Oficiais da reserva, que formam a coluna vertebral do Exército, montaram acampamento na frente do gabinete de Olmert em Jerusalém. A mensagem deles é clara: querem as cabeças da tríade Olmert-Peretz-Halutz.
"Não temos tempo para comissões. Eles precisam sair, e não por motivos políticos, mas sim porque queremos dormir em paz e segurança", disse Boaz Turpstein, um dos organizadores do movimento.

Racha
Há um nítido racha entre os oficiais de baixa patente e a cúpula do Exército. Os reservistas reclamam de ordens suicidas recebidas no terreno, da falta de comida, água e munição no sul do Líbano, e de informações de inteligência desatualizadas.
"Temos condições de ganhar de qualquer inimigo, e do Hizbollah também. Precisamos apenas trocar o comando", disse Erez Eshel, que também lutou no sul do Líbano. "Perdi três soldados e alguém precisa assumir a responsabilidade."
O fato de Dan Halutz ter vendido suas ações no dia em que a guerra começou não ajuda a curar as diferenças. A venda levantou suspeitas de uso de informação privilegiada - a Bolsa de Tel Aviv caiu 8% nos dois primeiros dias de combate.
"A cúpula do Exército foi invadida por uma cultura política, de interesses pessoais", diz Spectorovsky.
O movimento dos reservistas vem crescendo. Um grupo de moradores do norte de Israel aderiu. Para hoje está programada uma passeata conjunta com famílias de soldados mortos no Líbano.
O movimento tem apoio de Motti Ashkenazi, figura emblemática na histórica política israelense. Ele liderou o movimento contra o governo em 1973, depois da Guerra do Yom Kipur, quando a sensação de derrota também era grande. Seus protestos provocaram a abertura de uma comissão parlamentar que culminou na queda do governo de Golda Meir.
Spectorovksky acha que os atos populares de hoje em dia não têm a mesma força dos de quatro décadas atrás. Também não está seguro da queda de Olmert, mas acha que o governo terá de ser ampliado. "Atualmente, é a única alternativa para Olmert", diz o professor.


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